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História do Professor Que Virou Caixeiro Viajante - Oswaldo U. Lopes



História do Professor Que Virou Caixeiro Viajante

Nome: Luciano de Andrade Ferraz
Profissão: Professor Universitário

        Esse é o personagem, vamos à história de como ele virou vendedor ambulante. Luciano tinha 24 anos quando a chamada Redentora teve início, daí concluímos que ele nasceu em 1940. Redentora era a alcunha que Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) dera a chamada Revolução de 1964. Agora que o tempo passou já podemos chamá-la de outros nomes: Golpe, Ditadura etc.

        Quando tinha 18 anos (1958), fora destacado líder universitário. Mineiro de Lavras fez parte da UNE e participou ativamente dos chamados movimentos estudantis. Quando concluiu seu curso na Escola de Agronomia de Viçosa (hoje Universidade Federal de Viçosa), encantado pelo curso de Genética fixou-se no Departamento de Genética e  em fevereiro de 1964 concluiu doutorado brilhante. Tinha tudo para seguir em frente, mas a Redentora cismou com ele, por conta do seu passado de líder estudantil. Foi preso e teve que prestar depoimentos mais de uma vez.

        Apesar de tudo brincava com essa história, dizia que com ele a Dita não tinha sido Dura, mas Branda. Quer dizer, fora preso, mas não torturado. Foi levando como possível. Viçosa não era uma cidade grande e a vida corria seu rumo. Daí veio o AI-5 e ele foi demitido da universidade. Estava com 28 anos uma linda carreira de geneticista de plantas, criador de variedades genéticas do milho que estavam aumentando a produção de maneira vertiginosa.

        Não se deu por achado, tinha família, mulher e filhos e precisava trabalhar. Arrumou uma Kombi e um chassi de caminhão de tamanho médio, misturou tudo aquilo e se pôs na estrada como viajante vendedor. Se for verdade que Deus dá o frio conforme o cobertor ele deu-se bem. Fez muitos amigos no comércio e andava de lá para cá levando e pagando encomendas. Vendia e arranjava de tudo: panelas, utensílios variados de cozinha, panos, cobertores, flanelas, em peças e a metro. Enfim vendia tudo que coubesse no seu veículo. Tinha na sua lista desde donas de casa, donos de lojas de tecidos e até pequenos supermercados, comuns nas cidades menores.. Por questão de precisão tinha endereço fixo em Minas, mas viajava Minas, interior de São Paulo, Paraná, Santa Catarina até os mais distantes rincões do Rio Grande do Sul.

Por fé de ofício era colecionador de casos, a maioria deles engraçados, como são as histórias que correm no interior dito caipira do Brasil. Contava várias, desde como em vez da Luciano se tornou Mineiro ou Mineirim como o chamavam mais para o sul. Essa me reservo para contar em outra ocasião.

Uma vez entrou numa cidade no momento em que algo parecido com uma procissão estava se armando. O caso envolvia o dono da loja de armarinhos, seu velho freguês e amigo. Pergunta daqui, pergunta de lá se inteirou do caso. Seu Antonio (dono da loja) tinha uma papagaia que era sua devoção, verdadeiro caso de amor. Todo dia de manhã, abria a loja e pendurava a papagaia e seu poleiro do lado de fora. Mas, sempre se os tem, a papagaia era desbocada demais. Passava uma mocinha bonita e a papagaia sapecava:

-Ta de calcinha preta hem?

Aquilo estava incomodando muita gente e até o pároco queria dar um jeito na situação. Como tinha um par de papagaios que eram de rezar o dia inteiro foi conversar com o prefeito e sugeriu que a papagaia passa-se uns dias na casa paroquial, talvez com a nova companhia ela aprendesse um pouco de recato.

        Era por isso a procissão estavam levando a papagaia para casa paroquial. Mineirim juntou-se prontamente ao grupo. Na frente o dono da loja, o prefeito e o pároco, atrás a multidão. Quando chagaram perto da goiabeira onde viviam os papagaios, pode-se ouvir claramente um papagaio dizendo para o outro:

- Pode parar de rezar irmão, nossas preces foram atendidas.

Da outra vez tinha padre também na história. Era em Ituiutaba terra de gente conservadora e o pároco era italiano e falava daquele jeito italianado tão comum ai pelo mundo caipira. Mineirim até avisava que ia chegar e o Padre reunia o médico, o promotor e faziam uma bela noitada de pôquer, desses de centavos, mas era divertido. Ituiutaba tinha toda noite o footing a essência do machismo. Os homens ficavam parados olhando e as moças ficavam andando na rua de lá para cá. Isso até as dez horas, depois todo mundo ia para casa, quer dizer quase todo mundo, tinha gente que ia era para o escondidinho dos muros e o padre sabia disso.

E na missa ela sapecava vituperando a educação moderna das crianças:

- Hoje tudo é permitido, no meu tempo era simples e direto. Minha mãe dizia “O manja de lá minestra o salta de lá finestra” é!  E a sopa era servida no andar de cima.

 Essa cidade é um antro de perdição. Se peito de moça fosse buzina, ninguém dormia aqui.

Mineirim, o promotor e o médico já estavam na sacristia embaralhando as cartas e fazendo sinais para o Padre que apagava as últimas velas quando entrou a mais legitima beata de Ituiutaba e foi logo dizendo:

- Padre o senhor precisa me escutar, dessa vez eu pequei com vontade, tenho coisas terríveis para contar.

De dentro da sacristia ouvia-se um murmúrio irritado e sinais de extremo desagrado, sugerindo até violência.

O padre olhou para a sacristia como que a pedir calma e virando-se para a beata disse:

- Vai filha, não há pecados que e minha benção não possa perdoar e elevando a mão disse: Ego te absolvo a peccatis tuis in... E correu para a sacristia.

A outra que Mineirim não cansava de repetir não tinha padre, mas gaúcho muito valente, passou-se em Alegrete. Cansado de longa viagem Mineirim achegou-se no Bar-hotel-restaurante da cidade e dirigiu-se ao restaurante, sentou-se num canto sossegado já pensando nas delícias de um bom bife a cavalo, feijão e arroz tropeiro.

Logo se deu conta de que numa mesa redonda e grande um grupo de gaúchos falava alto e bebia. Um deles conhecia o Mineirim e ai começaram as provocações, frouxo, acovardado, todo mineiro corre até da sombra, que em Minas roupa de homem não era bombacha, mas penhoar e por ai afora. Mineirim percebeu que não ia ter sossego. Levantou-se e foi para a mesa grande onde educadamente pediu para sentar. Sentou-se, para certo espanto da gauchada.

Ai ele fez o que não devia, puxou um revolver de cano longo e foi dizendo:

- Vou armar o cão e jogar o revolver para o alto, quando ele cair dispara em qualquer direção e unindo o ato ao fato, jogou o revolver para cima. Foi um destempero geral, a gauchada não cabia toda em baixo da mesa teve um que se jogou atrás do balcão do bar, outro voou na direção da porta, só o mineirim ficou quieto e calado. Alguém chamou a policia o que foi talvez a salvação do mineiro.. Na frente do delegado ouviu calado o sermão:

- Você tem sorte que eu não sou gaúcho, sou de Santa Catarina.

- Mas seu delegado o revolver estava descarregado.


- Não complica mais a situação. O revolver você pode esquecer pro seu bem. Vou arrumar uma escolta para te levar para fora da cidade. E dou-te um sábio conselho: nunca mais ponha os pés aqui.

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