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ROTEIROS PARA TEATRO

Dois é bom, três é necessário. - José Vicente J.de Camargo



Dois é bom, três é necessário.
José Vicente J.de Camargo


Pela minha tabela é para hoje a noite! - Disse Marina ao marido mergulhado no jornal curtindo a vitória do verdão - Vou já preparar o chá de capim santo que tia Cinoca me sugeriu como tiro certo.

Não vá tomar muito! Senão é aquele corre-corre pro xixi!- Responde Diego já pensando no que o espera na hora H, entre promessas a cumprir se der certo, lamúrias se não der, pensamento positivo que tira o tesão, posições de malabarismo recomendadas, enfim o teatro já tantas vezes encenado sem êxito.

Volta Marina bebericando o chá – na verdade mais um dos muitos já experimentados - com a  mesma ladainha que deixa Diego irritado:

Última chance! Se desta vez não der certo, vou por meu plano B em ação...

Não se esqueça de que precisa de mim para essa história, e não mudei minha posição... Retruca Diego. Mas não vamos recomeçar novamente essa discussão furada. Melhor nos concentrarmos no necessário.

Diego não quer dar o braço a torcer, mas no íntimo sente – principalmente depois da conversa que teve com o ginecologista – que o tal plano B de Marina é o mais factível. Sua relutância em aceitar nem é tanto pelo fato em si, mas pelo falatório, pelo diz que diz do pessoal. Orgulho ferido? Talvez...

O importante para ele é que a mulher não passe mais pela depressão das últimas tentativas. Vê-la sofrer daquele jeito, nem pensar. Ele próprio sentiu o baque, mas teve de fingir “dar a volta por cima” para segurar a barra dela. Se conseguiria fazer outra vez o mesmo papel, é difícil dizer...

Dona Zilá atende ao telefone da filha e pela voz já adivinha que a tentativa foi novamente por água abaixo.
Dito e feito...
A filha chorosa confirma o teste negativo, a opinião do ginecologista para alternativas não convencionais e por fim a surpresa - mais fácil do que esperava - da concordância do marido.

Dona Zilá tem um chilique de satisfação misturado com um pouco de medo dado a novidade do caso, pelo menos dentro do seu mundo de rotinas pragmáticas e conservadoras. Mas, a alegria do primeiro neto - ainda por cima de uma forma tão especial - e, sobretudo a participação dela como parte integrante do esquema, a faz vibrar de emoção.

No entanto sua maior alegria é, sem dúvida, poder dar à filha a realização do desejo que sente desde criança. De ser mãe, de ter uma família de muitos filhos. Hoje, sentindo a problemática, já se satisfaz com um só.

Porém, no íntimo, Dona Zilá tem outro motivo para se contentar. Bem sabe que o genro era contrário a ideia: - “Um é pouco, dois é bom, três é demais”- dizia quando indagado sobre o  assunto. Além do mais, acha-a sugadora do erário público, por receber pensão de viúva e esbanjá-la no carteado e nas viagens com as amigas. Nas reuniões de família é o primeiro a contar anedotas maldosas de sogras intrometidas e de compará-las com cervejas no que tem de melhor: “Na mesa gelada”...

Agora é ele, Diego, que precisa dela para dar continuidade ao seu sangue. Quero ver que piada vai contar desta vez!

Na tarde da jogatina com as amigas – todas as quartas com chá, bolos e amanteigados - não resiste ao desejo e põe pra fora a felicidade contida:

Queridas, hoje já ganhei o jogo de antemão! As cartas que tenho são imbatíveis!

As amigas se entreolham desconfiadas, imaginando algum novo truque de Cinoca pra levar a melhor.

Vou ser mãe outra vez! E melhor, sem precisar de marido!

Ante a surpresa das companheiras, algumas já ensaiando sorrisos jocosos, continua:

Mãe de aluguel! Aos sessenta anos! Qual de vocês me cobre a novidade?

Foi tal o alvoroço causado pela noticia que o intervalo do chá é antecipado para saciarem a curiosidade...

Dona Zilá, rainha absoluta das atenções, discursa - qual presidenta na TV- sobre a consulta ao ginecologista da filha, a dieta a fazer, os medicamentos a tomar, o repouso indispensável – fez questão de não cancelar as tardes de jogo – a rotina dos exames e finalmente a data marcada.

As amigas a felicitam entre o frenesi que a noticia trará, a repercussão nas redes sociais até a missa a Nossa Senhora do Bom Parto, o enxoval tricoteado a mão, a ajuda na casa... As mais dadas puxam o assunto para o lado mais intimo, querendo saber detalhes de como é feita a  inseminação,  participação de Diego, ciúmes da filha...

Na maternidade Diego possa para a selfie ao lado da mulher tendo ao fundo o berçário.

Acabara de se recuperar do desmaio que tivera na sala de parto. A sogra não só exigiu sua presença - apesar de saber da sua fraqueza pela visão de sangue – como também que segurasse sua mão nas contrações e que murmurasse palavras de carinho como a dizer – “nunca mais farei piadas de sogras”.

Mas o choque que o nocauteou iniciou com o choro do recém-nascido que lhe bambeou as pernas e, ao vê-lo no colo da mãe, com um segundo outro choro que lhe faz perder os sentidos.

Após tomar o soro que lhe restabeleceu a consciência, Marina lhe revela o diagnóstico do ginecologista de se tentar fazer uma inseminação dupla, dado as boas condições dos óvulos e do estado de saúde da mãe.  Nada lhe contou sabendo da implicância dele sobre o assunto e da esperança de se conseguir nova gravidez pelo método tradicional. A enfermeira avisa que Dona Zilá já retornou dos exames e os aguarda no quarto. Entrando deparam com jornalistas e fotógrafos querendo registrar a primeira amamentação dos gêmeos ao lado da mãe biológica e da mãe-avó alugada.

─ Pai também? Indaga Diego.

─ Não! Neste caso pai não é furo de reportagem... Retruca o fotografo.

A sogra, no entanto, faz questão de tê-lo ao lado. E pede a um dos jornalistas que depois o entrevistasse sobre a importância das sogras na vida familiar.

Ah! E ele faz questão que a entrevista seja regada a uma cerveja bem gelada...


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