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CRIANDO MISTÉRIO. - Mario Augusto Machado Pinto




CRIANDO MISTÉRIO.
Mario Augusto Machado Pinto

Olhava a cena que se repetia todos os dias: mais ou menos às onze da noite pessoas se reuniam e formavam extensa fila chamando por Magrão, como os torcedores de times de futebol gritam aguardando o apito do juiz para o inicio do jogo. Só faltavam os Zé Bumbo das torcidas organizadas malhando tambores dando compasso à gente gritando Ma-grão, Ma-grão, dá a mão. Era uma zoeira só. Zoeira alegre qual bando de papagaios em dia de chuva. Queriam entrar no clube.

Fui surpreendido por um jovem que tocou meu braço e perguntou:

- Espetáculo! Mas diga, por favor, o que acontece?

- Você não sabe?

- Não. Explica o que é essa gritaria de Magrão. Pra mim Magrão era apelido do Dr. Sócrates, aquele da democracia Corintiana. Lembra? É protesto? Aí nessa casa mora algum político?

- Cara, é clube de dança. Não acredito você não saber do caso do Magrão.

- Nunca ouvi falar. Estive fora estudando o ano inteirinho. Talvez por isso. Você pode contar?

- Claro, mas com esse barulho...Vamos pra esquina.

Enquanto caminhávamos olhava o jovem: bem posto, roupa inadequada para o ambiente daquele clube noturno onde havia shows, cantoria, bebida, brigas e dança durante horas.

- Sabe, a Lei do Psiu não pegou por aqui. Era um inferno! Os vizinhos atiravam coisas, a PM vinha, melhorava a situação e quando ia embora estourava uma bagunceira de dar gosto. Isso levou os donos à contratação do Magrão, um ganense 12 x 9, de mais de 2 metros de altura, bíceps do tamanho da coxa da Veroca Mil e Dois, voz de comentarista de rádio no tom de bêbado contando causos num bar da periferia. O cara de tão grande e forte não encontrava roupa feita: tinha que ser moldada e alinhavada no corpo, como as das vedetes. Figura impressionante punha ordem na fila de entrada só com sua aparência. Durante as horas de funcionamento do clube, com critérios sem contestação – ninguém era besta de reclamar – ficava olhando, examinando, analisando cada pessoa da fila pra só então escolher aquela para entrar.

- E é por isso que o pessoal reclama?

- Você acha que estão reclamando? Não. Escuta só: um dia, quero dizer, uma noite a Policia veio de supetão e sem enfrentar resistência prendeu e levou o Magrão. Não adiantou reclamação, vaia. Nada. Levaram e acabou. Durante longo tempo não se ouviu mais falar no caso até que veio um advogado e começou a contatar as famílias daqui por perto. Fuçador, queria saber tudo sobre o Magrão. Ninguém disse nada até ele falar que o Magrão foi acusado de abusar da criançada e por isso ainda estava preso. Foi uma revolta geral. Ele? Nunca! Era o cara mais querido pelas crianças. Olha, ele falava e estava falado: elas obedeciam. A influência dele era tanta que elas até melhoraram no Grupo Escolar.

- Acusação séria.

- É. Foi processado, condenado e preso, mas aquele advogado lutou feito leão e conseguiu libertar o cara. Fizemos uma vaquinha, pagamos os honorários e o Magrão foi solto.

- E aí?

- Sumiu.

- Sumiu? Ora, ora: como sumiu? E outra, como é que foi denunciado?

- É que o Magrão brincava com a criançada; elas subiam no colo dele, abraçavam e ele pegava nelas e também abraçava enquanto falava com elas; beijava as menorzinhas, essas coisas. Uma pessoa idosa – já foi embora daqui – achou que ele estava se aproveitando da criançada e foi à Delegacia e fez uma denúncia. O investigador veio, viu a criançada abraçando e ser abraçada. Daí se armou a confusão, mas o bom é que tudo ficou bem.

Eu achei que o cara estava sendo muito xereta e não querendo contar mais nada convidei o moço pra ir pra fila. Enquanto andávamos ouvíamos num grito só Olha ele voltou! Ma-grão! Ma-grão!  Era ele mesmo, estava ali no seu antigo lugar acenando em agradecimento, impressionante no tamanho e no sorriso. O garoto ficou contagiado pelo entusiasmo do pessoal e também começou a gritar e a aclamar. Depois de algum tempo voltou pra perto e me perguntou:

- Afinal, o que fazia o Magrão?

- Ensinava as crianças.

- Ensinava? Ah, sai pra lá, mas diga afinal: ensinava o quê?

Aguardei alguns momentos, olhei fundo nos olhos dele e respondi:

Alegria.

-Tá brincando. Alegria?


Sim. Alegria.

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