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INDIGESTA VIAGEM DE TREM NAS FÉRIAS. - Oswaldo Romano



INDIGESTA VIAGEM DE TREM NAS FÉRIAS.
Oswaldo Romano    
                                                                  
        Completado mais um ano de trabalho, convidei meu amigo Alcides, paulista, companheiro de fins de semana, para me acompanhar, pois não tinha opção para onde ir nas férias. Carro? Não, só tínhamos bicicletas, quando alugada. Minha família é do interior. Éramos jovens, eu com 19 e ele não mais que isso. Alcides era o companheiro ideal. Morava com os pais  na Vila Clementino e eu tinha somente parentes neste São Paulo.

        Meu interior era a cidade de Mineiros do Tietê,  300  km de São Paulo  onde vivi até os 15 anos. Na casa de meus pais, todo ano me aguardavam cheios de emoções.

        Errei em levar o amigo porque com ele, dediquei pouco tempo a minha família, minha mãe. Senti de modo doído a decepção dela na nossa chegada.
        — E a viagem?

        Esse é o interessante motivo desta história. Fomos embarcar na Estação da Luz, lá chegando, nesse dia o noturno havia partido as sete. Uma hora antes da que sabíamos. Sentados nas suas escadarias, ficamos como dois bobocas, pensando o que fazer. Havia uma grande movimentação de trens, só cargueiros. Um ferroviário que havia descido de um desses, nos acendeu uma luz.

        — Oi batuta, esse trem passa por Dois Córregos?

        — Passa, sim.

        — Será que...

        — Eu sou foguista, fale com o maquinista.

Vi uma oportunidade aberta e logo depois estávamos num vagão fechado, cargueiro. Nessa altura já os dois bem cansados, sonolentos, diria, acabados.  Acomodados, melhor dizendo, sentamos no chão, num canto. A porta de ferro bruta, grande, de correr, já estava sendo fechada pelo cidadão que se despedindo só mostrou os dentes. Luz e ar provinham de uma pequena veneziana na parte superior dessa porta.

        — Alcides, - eu disse - não é como previ, mas vamos chegar lá. Você acostumado na cidade, agora enfrentar isto não deve ser moleza, não.

        Senti que ele estava um tanto desiludido. Vestia uma camisa branca, bem cuidada, com gravata, cheio de recomendações da sua mãe. Devia apresentar-se como um jovem bem tratado, da capital.

        Nesse quesito começamos mal.

        O trem se movimentou. As manobras para engates da maquina, o assustavam. Eram batidas barulhentas de ferro contra ferro, próprias desses trabalhos. Soltando suspiros o trem partiu acompanhando o fim do primeiro apito. Dava início o traquejar das emendas dos trilhos.
        Xá tik trum, Xá tik trum. Xá tik trum , diminuindo o tempo entre elas até formar um outro e contínuo som: trurum, trurum. trurum. Vez ou outra o maquinista liberava o apito chorado, de final triste.

        Quando saiu da cidade, coitado do foguista, não sei como dava conta de sustentar aquele forno. O carro balançava, jogando-nos de um lado para o outro. Um barulho que enchia os ouvidos. Achava que o Alcides não ia aguentar, mas ouvi ronco, melhor assim, ele dormia.

        Que nada! Do fundo do imenso vagão, distante uns 15 metros, havia um monte de capim, alfafa. Foi de lá que veio o ronco. Acendemos um fosforo. O ronco se transformou numa gritaria. Gritaria de porcos. Um só porco gritando vale por dez. Imaginem ali acomodadas uma porca com vários porquinhos. Famintos, com certeza. Nosso sono no momento sumiu. Vagão fechado, rangia, fedia!

        — E agora... Pensávamos. Vamos abrir a porta e deixar acontecer?

        — Tá doido! Disse o Alcides, mais fácil eu pular.

— Vamos fazer o seguinte: Você descansa, eu fico vigiando. Caso venham pra cá, espanto-os acendendo fósforos. Depois nos revezamos, tá

        — Tá

O Alcides não queria dormir, mas aquele balanço... E eu logo mais, só com dois palitos nos olhos conseguiria ficar acordado. Impossível não dormir assim que os porcos se calaram naquele negro e dominante cenário.

         Sei lá quando, abrindo os olhos que não queriam abrir, vejo um porquinho lambendo o sapato no pé do amigo. Dei um grito assustado, pulei, tratei de espantá-lo. Ele, o porquinho surpreso, gritou muito mais alto, escorregando para fugir.

        Simultaneamente, nem preciso falar o escândalo que fez meu amigo. Afinal era meu convidado, me desculpei. Passou por um momento inusitado.


Sem dúvida alguma, para ele, assustador. Nada de dormir depois. Só atenção e olhos abertos para o fundo do vagão.

        Acho que dormitamos um pouco porque, o foguista com seu candeeiro, graças a Deus... Abriu a pesada porta e anunciou: Dois Córregos.

 O foguista parece não ter gostado do nosso agrado.  Mas, o que podia esperar da molecagem de dois jovens? Pensamos até ele ter agido a propósito, tirando sarro, nos jogando aos porcos.

         Dali, ao amanhecer seguiríamos para Mineiros, cidade vizinha, nosso destino final. Tínhamos que esperar. Então nos acomodamos, deitados nos bancos da estação. A iniciativa não foi boa. Fomos acordados sob protestos, de quem se diziam donos dos lugares. Carregavam sacos, eram quinquilheiros das madrugadas.


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