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Gritos de formiga - Crônica de Michel Laub - Folha de São Paulo 13 de março 2015

Faço a postagem abaixo, por sugestão de Mario Augusto Machado Pinto, que deseja que os colegas leiam a crônica Gritos de Formiga, cuja retrata bem o nosso papo em sala na última aula:





Gritos de formiga
Michel Laub

(Escritor e jornalista. Publicou seis romances, entre eles 'Diário da queda' (2011) e 'A maçã envenenada' (2013), ambos pela Companhia das Letras. Escreve a cada duas semanas, sempre às sextas-feiras).

A "Audi Magazine" fez uma enquete sobre a "conquista mais subestimada" de algumas áreas profissionais. Entre os entrevistados, o neurocientista Alysson Muotri citou o ato de lavar as mãos. Já o arquiteto Lourenço Gimenes, a invenção do elevador.

A resposta sobre a atividade literária é minha: aprender a desistir. Ou seja, identificar o momento em que o texto não pode mais ser melhorado em revisões obsessivas. Publicar um livro é assinar uma trégua com as próprias ambições e limites, incluindo aí talento e atração pela ruína hedonista.

Mas essa é uma conquista interna, e, digamos, pouco comentada porque contraria o mito charmoso da "inspiração". A conquista oposta –que depende de opiniões dos outros e está longe de ser subestimada– é fazer com que ouçam a nossa voz. É aí que se forma o buraco negro: com exceção dos meus amigos maravilhosos e de você, autor bem resolvido que lê esta coluna, não conheço romancista, contista ou poeta que tenha o reconhecimento exigido pelo próprio ego.

O tamanho da insatisfação é variável, mas a essência é a mesma. Ela independe do sucesso de crítica ou público, e sua presença é democrática em escritores de gênio ou não, e com ou sem caráter. Sob a forma de queixa direta, falso distanciamento ou necessidade de afirmação, a ladainha do mundo literário pode ser resumida numa certeza: em algum nível, somos desprezados ou ignorados por certa corja que mexe certas peças sem as quais é impossível abrir certas portas.

Não estou negando, claro, que existam injustiças. No Brasil de hoje, há muitos nomes com destaque objetivamente menor que o merecido. Para ficar só com meia dúzia (perdão, amigo/autor bem-resolvido), lembro de Adriana Lunardi, Daniel Pellizzari, Fernando Monteiro, Elvira Vigna. O romance "Todos Nós Adorávamos Caubóis" (Carol Bensimon) foi esnobado de modo curioso nas premiações de 2014. Coletâneas de contos como "O Homem que Não Gostava de Beijos" (Edward Pimenta) não deveriam sumir das prateleiras e conversas semanas depois do lançamento.

Na origem desses exemplos pode haver conchavos e mesquinharia, mas também os acasos do mercado e da existência. Entre dez autores semelhantes em qualidade, densidade, temas, visão política, procedimentos técnicos e simpatia, todos contratados pelas mesmas grandes editoras, um ou dois terão mais repercussão. Por quê? No fundo, é um mistério. Se não fosse, seria fácil prever o best-seller de amanhã ou evitar o ridículo das "bolsas de apostas" do Nobel.

Só que meu ponto aqui é outro. Independentemente da sorte do livro, ou de seus amigos e inimigos reais e imaginários, é inevitável que o escritor experimente algum grau de decepção em sua trajetória. Ele certamente será turbinado pelo fato de vivermos num país sem leitores, numa época sem atenção ou repertório para filtrar o lixo cultural e informativo contra o qual damos nossos gritos de formiga, mas a derrota nasce antes e vem da natureza do processo.

A literatura é uma convenção que traduz num instrumento –a linguagem– sentimentos e anseios que o escritor tenta nomear como pode. Repito, sempre, o exemplo: a palavra "angústia", ou as dezenas de palavras que podem descrever tal condição numa cena, não são a angústia em si. Essa é maior que a linguagem e, a rigor, como tudo o que buscamos expressar por escrito, é incomunicável.

"Ser ouvido", portanto, tem algo de utópico se pensarmos em conceitos como o do leitor ideal, que entende exatamente o que gostaríamos de dizer. Não entende: gostando ou não, ele não conseguirá ver no texto aquilo que vemos de modo orgânico, por conhecermos tão bem o mundo interno a partir do qual o produzimos –aquele caldo de inteligência, originalidade e carisma que orgulha nossa mamãe desde que nascemos.

Parafraseando um dito célebre de Samuel Beckett, escrever é fracassar melhor da próxima vez em que escrevemos. A questão é negociar com a vaidade para transformar isso em algo mais que vitimismo e rancor.

Uma espécie de desistência, também? Talvez, e com a mesma contradição produtiva que acompanha o término de um livro. Depor as armas é o que nos faz avançar. Diante do que isso mobiliza em termos de autoflagelo, é até ridículo nos abalarmos pelo silêncio ou pelos tomates na cara que virão depois.



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