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Pérola Negra - José Vicente Jardim de Camargo

Pérola Negra
José Vicente Jardim de Camargo

Ele levantou tarde com o frevo no pé em pleno domingo de carnaval...

Tomou uma vitamina reforçada, fez a barba no capricho, o bigodinho continuou intocável, ligou o radio nas marchinhas, que nesses dias de folia não troca por nenhum funk da moda, vestiu a camiseta da pérola Negra e saiu apressado pra concentração da escola no horário marcado para o início do desfile no sambódromo da cidade.

O tamborim com seu nome gravado o aguardava junto com os demais instrumentos reluzentes e afinados dos ritmistas da bateria. Seus olhos, porém vasculhavam o ambiente em busca da cabrocha que dias antes tinha sido eleita a rainha da bateria. Foi uma disputa acirrada por um voto de diferença, justo o dele...

O crioulo da segunda colocada, mulata reluzente de deixar boquiaberto qualquer filho de Deus, saiu de valente, se esperneou, pediu anulação da votação alegando trapaça. Não sendo atendido, jurou acertar as contas com ele por ter vendido seu voto decisivo em troca de favores da vencedora...

Acertou na mosca!

Tininha, como era conhecida por tocar o “timbre” por onde passava do mais apático dos mortais, lascou-lhe uma piscada de olho fulminante bem na hora de ele dar seu voto de minerva...

Ele a avistou na ala reservada as passistas dando os últimos retoques na plumagem colorida e nas lantejoulas dos “tapa-tapas” atrevidos. Seus olhos se cruzaram e ela sorrindo bamboleia os quadris avantajados disfarçando um aquecimento desnecessário.

Convite feito!

Acariciando o tamborim ansioso, preciso pedir ao Robertão o ap. dele emprestado, sente por trás um golpe forte que lhe agarra o pescoço e lhe trava as pernas murmurando:

O que você tá desejando, não vou deixar barato, seu fdp desgraçado...

Ele reconhece a voz do crioulo vingativo e com o tamborim nas mãos retorce o tórax avantajado e desfecha uma pancada na orelha do opositor que com o baque o afrouxa o suficiente para conseguir dar um contragolpe, as aulas de jiu-jitsu lhe vêm à memória, e se libertar do desafeto possesso.

A turma do deixa-disso entra logo em ação, a bateria inicia os acordes do samba enredo obrigando os componentes a procurarem suas alas e se prepararem para a entrada na avenida ao encontro dos foliões, impacientes pra botarem o samba na ponta dos pés...

A bateria enfileirada sob a tutela do mestre Ataíde explode de vibração e emoção na esperança da conquista do primeiro lugar, ecoando a batucada marcada pelo choro da cuíca e o rugir dos tambores para o delírio do povão que só quer saber de pular de alegria entre bebidas e amores até o raiar da quarta-feira de cinzas...

Tininha, sob o pipocar dos fleches, faz coro como ritmo da bateria num desbunde frenético para alvoroço das arquibancadas, enquanto ele, a vez do acorde é dos pandeiros e atabaques, dá uma mirada no bilhete que ela lhe entregara minutos antes:

“Te espero amanhã,

 Bloco: Passaram a mão na Pompéia

Ala: As águas vão rolar

Traje: Sumário

Obs: não esqueça os preservativos!”


Nessa hora, para exaltação da galera e satisfação do mestre Ataíde, ouve-se um solo de tamborim estridente e prolongado, bem acima do zunido da cuíca e do urrar dos tambores...

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