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FUMAR É PERIGOSO - Jeremias Moreira


FUMAR É PERIGOSO
Jeremias Moreira

Ele tragou o cigarro, prendeu a respiração e depois, como chaminé, soltou a fumaça. Virou-se para o irmão, que o olhava atento, e explicou:

— Tá vendo! Chupa, segura a fumaça bastante tempo, pra aumentar o gosto. Depois, solta bem devagar.

Bebeto tem onze anos e Leco, nove. O pai evaporou quando ainda eram pequenos e desde então moram apenas com a mãe, na Cohab, próxima dali. A mãe trabalha no Sumaré, como doméstica. Pula da cama as cinco, prepara o almoço dos meninos e sai as seis de casa para chegar ao emprego, às oito. Também as oito, os meninos entram na escola. Quando vão. Naquele dia estavam no mato atrás do campinho de futebol. Bebeto prometera ensinar o Leco a fumar. Ele afanara um cigarro do maço da mãe. Sempre faz isso quando quer dar umas tragadas e a mãe nem se dá conta. Hesitante, Leco levou o cigarro à boca e chupou forte. Engasgou e pôs-se a tossir. Bebeto riu e deu-lhe umas palmadas nas costas. O irmão ameaçou vomitar. Nisso, ouviram vozes e o som de um caminhão.  Bebeto se ergueu e olhou por cima do matagal. Avistou um caminhão manobrando no terreno onde tem um galpão. O mato tomava conta de tudo, por isso o lugar era tido como abandonado. Nunca viram alguém por ali.  O caminhão parou, quatro homens surgiram, abriram a porta traseira do baú e começaram a descarregar caixas enormes e levá-las para dentro do galpão. Bebeto temeu que a tosse do irmão pudesse chamar a atenção dos homens. Achou melhor se afastar dali. Atravessaram o campinho abaixados e sentaram-se atrás de uma mangueira. A esta distância não ouviriam o tossido do Leco. Bebeto sabia que o melhor era irem embora de vez, mas estava muito intrigado com os homens descarregando aquelas caixas. Ordenou ao Leco que o esperasse ali, enquanto iria conferir o que os homens faziam. 

Leco se apavorou. Pediu para o irmão não ir.

— Volto num instante. Só vou ver o que estão fazendo.

Aproximou-se como uma cobra. Parou rente à cerca, onde havia uma falha. Conseguia ver e ouvir alguma coisa. Enquanto descarregavam, os homens falavam de computadores, geladeiras, televisores, essas coisas. Às tardes, sozinhos em casa, ligavam a TV nesses programas policiais e ouviam notícias de roubo de cargas. Certamente tratava-se disso. O que ele deveria fazer? Avisar a polícia? Mas como? E se os homens descobrissem que ele os dedurou? Melhor seria ir embora e ficar de boca fechada. Nisso ouviu o chamado do irmão:

— Bebeto, eu quero ir embora.

Ao ouvir a voz do Leco, os homens viraram-se na direção em que estavam. Um deles, grande e forte, desceu o olhar e cruzou com o de Bebeto entre o vão da cerca. Bebeto congelou por um instante. Depois, saiu em disparada. Passou pela mangueira, pegou o Leco pela mão e, praticamente, o arrastou junto. Quando alcançavam a rua, olhou para trás e viu dois dos homens pulando a cerca. Vinham atrás deles. Achou melhor não ir para a Cohab. Não deveriam revelar onde moravam.  Optou pela escola. Se conseguissem chegar rápido e se misturar às outras crianças, confundiriam os homens. Ao dobrarem a esquina perceberam o portão da casa do Tiago aberto. É um portão de madeira, alto. Bebeto pensou rápido e mudou de ideia. Puxou o irmão e entraram como um foguete. Fecharam o portão e ficaram abaixados, quietos.  Logo ouviram os passos apressados dos homens que, ao virarem a esquina não os viram mais.

—  Eles sumiram! – disse um.

— Devem morar por aqui! Vamos procurar.

Isso era bom. Se não os achassem agora, não iriam procurá-los na Cohab.

— Olha naquela casa enquanto vejo por aqui. – disse o que parecia mandar.

Ouviram os passos do homem, que se aproximava de onde estavam. Os dois irmãos nem respiravam de pavor. “Se ele abrir, vou armar o maior berreiro” – pensou Bebeto. Viram a mão aparecer por cima do portão e fazer pressão. Os irmãos tremiam. O homem passou a sacudir o portão, como querendo arranca-lo. Os meninos se olharam apavorados. O trinco começou a ceder. Nisso, um celular tocou. O homem continuou a forçar mais. O celular deu o segundo toque. Os meninos olhavam para o trinco que estava por um triz. Depois do terceiro toque o homem atendeu. A conversa foi rápida. Ele desligou e chamou pelo outro:

— É pra gente voltar. O chefe decidiu trocar a mercadoria de lugar.


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