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COMO? - Mario Augusto Machado Pinto





COMO?
Mario Augusto Machado Pinto

O que mais se ouve das pessoas nos dias que antecedem o Natal, é a dúvida, a ansiedade por ela gerada ao decidir sobre o que comprar para obrigatoriamente presentear alguém quando se comemora o nascimento do Menino Jesus. Em geral, as pessoas já têm de tudo, nada necessitando. Só se for para trocar alguma coisa que já se gastou ou para dar algo a quem nada ou quase nada tem.

Seria essa a finalidade da comemoração natalina? Comprar, dar, e receber presentes? Comer o presunto com molho de abacaxi, peru estufado com farofa de ameixa, rabanadas, beber espumante, café e licor? Claro que não! Mas, é o que a maior parte das pessoas faz esquecendo-se do acontecimento religioso. Sequer se preocupam em saber o porquê ou qual foi o 1º presente.

Aqui entre nós, estudados e instruídos, com longa vivência, que ninguém nos escute: quem sabe qual foi o 1º presente dado no 1º NATAL?

Pois é. Foi Ele mesmo, o próprio Menino Jesus que nos foi dado como nosso salvador para morrer por nós na cruz.

Não quero impor crença religiosa, mas apesar de estudar durante anos em colégio com  instrutores de fé católica, não me marcaram as celebrações feitas antecipadamente à data – dezembro era mês de férias - nem aquelas na casa dos meus pais e parentes. Há lembranças de alguns fatos como que filtrados por vidros foscos; vultos de pessoas de quem não guardo as feições, algumas imagens meio disformes das quais não me lembro dos nomes.

Isso acontece com outras gentes que procuram lembranças em fotos amareladas, cartões de Natal, de Boas Festas ou as Boas Festas de comida e bebida, repartida com parentes sempre presentes, com os amigos e conhecidos, que se viam e frequentavam algumas vezes por ano ou, ainda, estuporado de tanto beber e comer pipoca, acomodar-se para ver pela tv o show do ano, o filme The Bells of St. Mary's (Os sinos de Santa Maria) em que o padre Charles "Chuck" O'Malley (Bing Crosby) canta para a belíssima freira  Mary Benedict  (Ingrid Bergman) a canção “I'm dreaming of a white Christmas “.
 Acontece? Sim, acontece.

Podem dizer que é por ter bastante idade ou memória fraca e outras justificativas mais. No meu entender não é isso, não. Senão, como é que nos lembramos de alguns presentes ganhos, de pessoas de mais idade, parentes que deixaram imagens fugidias no tempo? Falta espirito natalino? O que é isso? Estou confuso com tanta confusão me envolvendo.  Lamento, mas no momento não tenho estória de Natal nem sei como criar uma e não vou fazer relambório por causa disso.

Na verdade gostaria que o Dia de Natal fosse comemorado por e com pessoas de espírito religioso, de qualquer crença, não importa; que as pessoas perdoassem as que as ofenderam; que presentes e homenagens fossem dadas e prestadas justo no dia da lembrança da visita dos Reis Magos, como feito por eles há 2.014 anos. Gostaria que o Presépio não fosse olhado como mais um enfeite no meio de tantos outros. Tudo um tanto diferente da atual realidade vivenciada por nós. Falta ALEGRIA  transmitindo ao próximo mensagem de paz e união. Entenderemos o mundo novo? E ele a nós?

Terei ou teremos tempo para isso? Ficarei ou ficaremos mais felizes e contentes? Não sei. Talvez sim, talvez não.  Do meu lado, sim, talvez  por estar meu horizonte cada vez mais perto e me obrigar a imaginar me acostumar a pensar no deixar meus queridos para trás? Também não sei, mas ainda posso desejar a VOCÊS e aos seus, toda a alegria para terem um FELIZ NATAL!


BOAS FESTAS E FELICIDADES PARA 2.015.



É Natal! - Oswaldo Romano



É NATAL

Oswaldo Romano                                                             

         Os anos vividos na favela fez de Joel um homem lutador. Família pobre, trajes remendados, mas limpos. Aceitava qualquer trabalho. Nos fins de semana ia para a cidade. Sua mochila era a caixa de engraxate!

         Com sua voz grossa, disfarçava, procurava deixar para trás as agruras cotidianas. Com sua mulher Tereza,  doméstica, tinha uma filha de oito anos portadora de uma deficiência que a prendia numa cadeira de rodas.

         Na cidade, Joel observava pessoas  finas, arrumadas, trabalhando nas lojas, vibrando com a decoração do Natal. Reservava-se. Olhava, olhava, sentia-se menor. Longe de se igualar. Quer queira, quer não, pensava na mulher lavando, passando, limpando casas, também com pouca chance de melhorar essa vida. E a filha Maria José, numa velha cadeira de rodas que ganhara!

 Na casa o dia passava como tanto outros.

         — Mamãe, por que não temos a arvore de Natal? — indagou Maria José com sua voz prejudicada.

         — Calma filha! Vamos ter. Sei onde arrumar.

Ao anoitecer a mãe foi no terreno próximo cortou um galho da mamona e em casa revestia os frutos com papeis coloridos.

         — Tá bonito mãe. Quero ajudar. (Falou gaguejando, distorcendo as palavras)

         — Outro dia filha, hoje você não pode.

         — Quando mãe. Quando vou sair daqui? (Só a mãe entendia)

Joel na cidade defendia-se, como podia.

 Pércio, gerente do grande shopping da praça, aparece para engraxar os sapatos, hábito semanal. Sua conversa com Joel sempre o agradou.

Precisava de alguém para fazer o papel do Papai Noel.

         — Você é desocupado? Perguntou.

         — Sô doutor, não fiz nada não.

        — Joel. Quer ganhar melhor este mês?

         — Quem não quer dotor...

         — É o seguinte: Preciso de mais um Papai Noel no magazine. Então, pensei  em você.

         — Sou magro dotor.
        
—  Isso nós resolveremos.

Ele não acreditava! Caiu em suas mãos a estrela cadente que tanto pedira a Deus. Valeu ser votivo. Sua casa o levava a crença.

         Vestiram-no, deram-lhe um trono.

         Crianças bonitas, perfumadas, sob olhar meigo das mães, desfilavam junto ao seu sólio. Beijavam-lhe as mãos calçadas de lindas luvas brancas. Pediam presentes. Com poucas palavras ele dava esperança a todas. Sempre bradando o que lhe ensinaram: Ho, Ho, Ho... Ho, ho, ho, ho...

         Aproximou-se uma mãe empurrando sua criança numa cadeira de rodas. Afoita,  a pequena criatura estica os bracinhos querendo o  colo do Papai Noel. Ele olha para a mãe, ela consente. Joel fica estatizado. Seu pensamento oscila, transporta-o para sua casa. Vai e volta, vai e volta. Alisa os cabelos ruivos da menina, e inseguro pergunta:

         — Você quer ganhar um bonito presente, né? Qual é seu nome?

         A resposta foi um resmungo. A mãe é quem responde:

         — Maria.

         — Maria, não é José?... Gosto muito desse nome...

Joel olha para a mãe, esta se aproxima, toma-lhe a criança e fala:

         — Dê tchau. Dê tchau ao Papai Noel. Fale: Fique com Deus Papai Noel.

Joel absorto acompanhou sua retirada. Outra criança que se aproximou, chamava-o:

         — Papai Noel? Papai Noel? Papai Noel. — Ele não responde... A menina fala para si olhando dos lados, movendo a cabeça pra lá e pra cá: — Ele é velhinho, está surdo! Chama novamente elevando a voz: - Papai Noel...

         Joel sai do estado de morbidez.

         — Oi filha? - sua  voz está embargada. Peça o que você quiser. O Papai Noel vai te ajudar.

Joel tira o lenço do bolso, e enxuga lágrimas que não pode conter.

         — Papai Noel? Você está chorando? – Admirada anuncia: —  O Papai Noel está chorando, gente! Fica transtornada, e indecisa volta a olha-lo.

         — Sabe filha, estou alegre com vocês. A alegria também faz chorar.

Chegando em casa, chorou, chorou bem mais, ouvindo a filha com a voz perfeita:

         — Pai! Papai! Mãe, mamãe, o papai chegou. Esta perfumado!

Milagre de Natal, isso existe? - Vera Lambiasi



Milagre de Natal, isso existe?                                      
Vera Lambiasi

Não tinha me dado conta do Natal, tão próximo, até chegar em Campos do Jordão nesta sexta.

Já fizemos o sorteio do amigo secreto lá em casa, num almoço bem gostoso em família. O fusilli com bracciola tingiu de vermelho os papeizinhos. As plantas vivas deram o tom verde ao ambiente. Mas nada do Papai Noel me picar. O espírito natalino não queria se manifestar. Nem os shoppings enfeitados me emocionavam. Do supermercado, só levei o que precisava. Nenhum panettone piscou para mim. Não estava mesmo nem aí para as festas. Tender, peru, rabanadas ... calma. Ainda não está na hora. Presentes...Muito cedo.

E subimos a serra para o tradicional Rallye de Campos, sempre no início de dezembro. Durante o dia, admirei araucárias, plátanos e hortênsias, curtindo cada detalhe da cidade. No Grande Hotel, uma linda árvore de Natal adornava o hall, onde encontramos os amigos que participariam da prova. Às 19:30 foi dada a largada para a etapa noturna. Saímos ainda claro, com um chuvisco fininho, vagarosamente anoitecendo. Depois de meia hora já estávamos na rodovia Monteiro Lobato, numa escuridão fantasmagórica, com neblina, chuva e caminhos cheios de curvas. Tudo transcorreu bem, absolutamente concentrada na planilha, enxergada com uma série de lanterninhas. Foi tenso, mas adorável.

E chegando ao portal, a mágica aconteceu. De dentro do MG, vidros embaçados, o lusco-fusco vermelho e verde refletido da decoração das ruas, chorei. Não queria estar em qualquer outro lugar do mundo. Ali, estava fazendo o que mais gosto na vida, com o Edu, e tantos amigos em outros carros antigos. Vieram todas as músicas natalinas, de Papi Galán da infância a Michael Bublé, passando por "when you wish upon a star", que me deixava em prantos na Disney. Saudades dos meus filhos me apertaram a garganta. Fiquei uma boba. Fungava sozinha enquanto o piloto me perguntava o caminho. E, assim, desarmada, o milagre de Natal me aconteceu. O final de semana foi maravilhoso. Não ganhamos o rallye, mas já comecei a comprar uns presentinhos, umas delícias e alguns enfeites.

Estou pronta para armar a árvore lá de casa.

2050 - A RODA GIGANTE - M.luiza de C.Malina



2050 - A RODA GIGANTE     
M.luiza  de C.Malina

Há muitas coisas que perduram latentes dentro de nós.  As mais simples remetem sensações que são capazes de nos transportar a um tempo que atravessou, com as mesmas alegrias das décadas de gerações à procura de elementos perdidos que, mais se parecem a semanas furiosas que aniquilam dias perdidos do nunca conhecido tempo do lazer.

Nasci na Roda Gigante da Vida. Acertei na decisão do ano de 1600, com o sopro da ideia da primeira engenhoca a girar. A girar sem pressa.  Feita de madeira. Gigante ou pequena, entre a antiga e nova tecnologia, ela segue sem se importar se, gordo ou magro. Rico ou pobre. Asiático, africano, europeu. Índio, americano ou sul americano. A roda atravessa os continentes junto a mim.

Imita o mundo a girar, oferecendo aos passageiros a sensação suprema de dono do mundo.

Semelhante à engrenagem da vida, para. Para quem quer descer.  É uma lenta e adaptativa viagem. Assisto que, muitas vagas atrás de mim são preenchidas com uma rapidez em que pouco reconheço a fisionomia de quem está a minha frente. Continuo no giro lento de quem não tem pressa em descer. Ingiro no giro do girar as voltas do revirar do mundo.  Na verdade tudo continua igual.

Igual à modernez do ano de 2000, em que foi apregoado que, “de 2000 não passarás”.

É o ser humano quem tem pressa, em vista, a roda torna-se lenta.

Sou um velho para os dias contados no calendário da vida. Constato com certo privilégio, da alta e translúcida poltrona da roda gigante, que os temores para os próximos 50 anos continuam iguais aos de 50 anos passados em que o ser humano é substituído na poltrona da vida impulsionado pelo rodar do eixo da terra.

 Aprendi que a natureza não se opõe a eles. Segue seu ciclo desértico, da sede da humanidade, entre as caridosas chuvas a que tudo verdeja e que, de improviso chega sem tréguas, acompanhada da calamidade.

Ingiro no giro da tecnologia o desejo, crescente e obstinado, do poder que acompanha todas as eras deste que a habita.

Gosto do que presencio. Junto à magia de não ser visto ou sentido, a roda inicia seu giro, na reviravolta da sabedoria milenar. Continuo incógnita assistindo a cada substituição da vida humana alimentada pelas lágrimas, ora azuis, ora vermelhas ou amarelas, transformando-se em alimento ao humilde planeta que o suga de maneira voraz, remetendo ao âmago da terra a fim de impulsionar a Roda a rodar.


Escapadinha do Romano - José Vicente Jardim de Camargo





Escapadinha do Romano           
José Vicente Jardim de Camargo

Será que dá certo? Será seguro?

Ele falou com tanta certeza que fica difícil não acreditar na eficiência do truque...Mas, será um truque ou uma alternativa de se salvar a vida? Tudo  depende do ponto de vista em que se analisa o fato...

Mas, como verificar se a tal “escapadinha” realmente funciona?

Só mesmo criando uma situação real de assalto, sequestro relâmpago, algo que envolva algum tipo de risco e que deixe a pessoa sob uma pressão emocional, para testar se o tal kit é confiável. Se for, mando instalar no meu carro também...

—Já sei! Vou aproveitar que ambos estamos passando férias na mesma praia e convidá-lo para fazer uma trilha no morro dos macacos que ele está curioso por conhecer. Aí peço ao Zezinho meu jardineiro, que fique de emboscada no meio da trilha e finja nos assaltar com meu revolver de brinquedo. Zezinho é bom para essas coisas. Gosta de fazer encenações, de papai-noel ao bumba meu boi, passando pelo pierrô dos velhos carnavais.

 Não devemos encontrar ninguém na trilha, pois é muito pouco conhecida e sugerirei ao meu amigo fazermos o passeio num dia de semana.

Eu fingirei uma pequena reação e ele, dado pertencer também a terceira idade e ao porte avantajado do assaltante, não deverá esboçar nenhuma. E eu entro logo com o “deixa disso, abaixe essa arma, vamos lhe entregar tudo o que temos” etc...

Orientarei o Zezinho para que peça ao meu amigo a chave do carro que estará estacionado no inicio da trilha e nos tranque no porta-malas sem os nossos celulares. O orientarei também como fazer para ligar e desligar o alarme.

Após isso, deverá dar algumas voltas pelas ruas esburacadas do vilarejo, estacionar o carro na pracinha da igreja, trancá-lo e nos aguardar no bar do Mané por 10 minutos. Se não chegarmos, volte ao carro e nos tire do porta-malas...

Tudo perfeito! Meu amigo aceitou o convite, marcamos o dia, combinamos ir com seu carro e Zezinho entendeu, com prazer, a dramatização a fazer...

Tudo corria conforme meus planos, e, no meio da trilha, quando o amigo contava o novo conto que estava escrevendo, surge, de um salto, berrando, de revolver em mãos, Zezinho, gesticulando mais pra bicha louca do que pra ladrão tupiniquim, a nos pedir celulares, dinheiro, chave do carro e que o sigamos...

Logo entro com o meu “deixa disso”, peço ao amigo calma, que entreguemos o que pede e o sigamos numa boa...

Já trancados no porta-malas, apertados um contra o outro sem se poder mexer, sofrendo os solavancos da rua e iniciando a sentir falta de ar, lhe pergunto:

— Põe logo em ação o kit “escapadinha relâmpago” que você bolou e mandou instalar para essas ocasiões, que já está me dando claustrofobia. Ligue a luz escondida e o ar secreto...

— O botão da luz está atrás da minha cabeça - me diz - mas, não consigo me mexer para alcança-lo. E o ar já liguei, mas acho que o cilindro de oxigênio está vazio ou vazando, pois nada sai. Como nunca precisei usá-lo, esqueci de fazer a manutenção...

— Então acione o sistema de mola para abrir o porta-malas por dentro – Peço.

— Não está funcionando! O põe e tira das malas, deve ter danificado o sistema -  diz com voz desanimada.

—E você que elogiou tanto esse sistema, que iria comercializá-lo, empreendedor premiado que é...

— Ah, mas espere para ver! -Me contesta com voz firme de quem tem uma solução na ponta da língua...

Nisso, ouve-se o ruído do porta-malas se abrindo e a figura de Zezinho curvando-se para falar algo...

Mas, sem tempo...

Meu amigo tira, não sei de onde escondido no porta-malas, um spray de cegar e imobilizar o adversário, prostrando-o no chão...

Tempo suficiente para sairmos aos pulos e ele, como num toque de magia,  me aparece com uma algema e o engancha junto ao estepe do porta-malas, já fazendo menção de lhe dar uns bofetes...

Paro-lhe o impulso e o convido, para sua surpresa, para uma cerveja no bar do Mané em companhia do assaltante, ou melhor, do meu jardineiro inocente...

De copos erguidos e na presença de vários curiosos que assistiram a cena, a qual, inclusive, já percorria todo o vilarejo, lhe conto a história e o motivo que me levou a planejá-la concluindo:

— Pelo visto não vou instalar esse tal kit da “escapadinha”. Sinceramente não me convenceu. Sou também muito esquecido e sempre viajo com muitas malas...

 — Depois do ocorrido, já tenho algumas ideias de melhoria, você vai ver que beleza que vai ficar! Diz o amigo empreendedor com olhar desafiador...

— Tudo bem! Só que quero uma demonstração na garagem mesmo, retruco... 
Mas esse tal spray vou comprar uma meia-dúzia, comprovou eficiência...

— E a história toda não foi em vão – continuo - vai dar um bom conto quando reiniciarmos as aulas do Escreviver. Basta fazer alguns ajustes...


— Mas, veja se capricha mais na minha participação, diz Zezinho, pois ator morto não dá Ibope...

Amigo Vicente - Oswaldo Romano





AMIGO VICENTE
Oswaldo Romano

         Foram muitas as trilhas que fizemos juntos. Mas jamais me esqueci daquela vez em que você  empurrando-me, escorreguei nas pedras da cachoeira, raspei todo traseiro e ofendeu também o meu dianteiro. Meu calção rasgou, ficou estraçalhado. Subi pelas pedras tentando esconder as coisas, mais preocupado com meu traseiro de fora. Você lá em cima nas pedras morria de rir. Fui visto por todos que estavam banhando-se, e não posso esquecer as sarcásticas risadas. Apontavam o dedo e gritavam: Olha, olha!

          Essas palavras bombam até hoje em meus ouvidos. Não era ocasião para briga porque éramos sós, eu e você. No momento tudo que fiz foi xingá-lo.  

         Aquilo ficou entalado na garganta, só pude expedi-lo quando lhe aprontei esta que conto com ajuda do meu amigo cacique Tuiuta. Com este meu depoimento em público, espero por fim as nossas vinganças. 

Foi assim:

         — Passando por Paraty, encontrei o índio Tuiuta  que tem sua aldeia perto do Vale Louco, justo no percurso da nossa programada caminhada, que seria no dia seguinte. Tuiuta trabalhou meses para mim na nova casa que fiz em Paraty. É um artista trançando tiras e fazendo misérias com  bambu. Fez esteiras de fechamento dos balcões e cobertura de sapé. Paguei bem, ficou um amigo de verdade. Foi uma felicidade encontrá-lo. Caiu como uma luva. Estava ai minha oportunidade. Dei voltas para oferecer uma festa na sua aldeia. Já havia dado outra. Sabia que com festa para seu povo, ele vibrava, era tudo que gostava. Não seria tão fácil. Em troca, impus algo fácil para seu grupo. As condições eram as seguintes: No transcorrer das festividades, você vai treinar seu pessoal e ninguém poderá falar nada em  português, só na sua língua, o Guarany.

         — Isso já é nossa lei, quando festa, né.

         — Você deve arranjar uns homens que serão seus algozes.

         — Que é isso?

         — São homens que se fazem de maus, ou com cara de bravos.    — Você vai sequestrar um amigo meu...

         — No, não, não, Tuiuta não faz isso. Tuiuta conhece cadeia, não?

         — Espera eu falar Tuiuta. É uma importante desforra, uma brincadeira que quero fazer com meu amigo. Tudo mentira, uma festa...

         — Ele sabe que é mentira?

         — Não.

         — Tuiuta tá fora, né.

         — No fim ele vai saber, índio medroso.

         — Bom, bom, e depois.

         — Vai ser assim: Eu e ele devemos passar pela sua trilha em direção a cachoeira. Lá vamos encontrar mais dois amigos. Na ora da partida eu não vou. Alego uma forte dor na perna, fico sentado, gemendo, ou coisa assim. Ele vai passar sozinho naquela estreita trilha do mato que corta o caminho. Tuiuta vai sequestrá-lo, e levá-lo para a aldeia.

         — Pora!!!

         — Agora vem o melhor Tuiuta. Você sabe brincar. Você vai acusá-lo de ter sido quem roubou uma jovem índia desaparecida.

         — Pora!!!

Foi assim que preparei meu amigo pro resto da brincadeira, oferecendo uma grande festa. Eu sou, diria, padrinho, de uma sua filha, a Jacira, batizada  nas aguas da cachoeira. Tuiuta acredita em mim. Já aprontamos uma com o delegado, imagina!!! Com o amigo vai ser mais fácil.
Chegou o dia.

         — Tuiuta aborda meu amigo e aos gritos o leva com as mãos amarradas.

         — Se correr, diz, índio atacar você com o tacape.

*
         — Agora eu vou contar a história que fizemos acontecer, do jeito que Tuiuta entendeu, obedecendo minhas instruções:

— Chegando do sequestro,  colocou Vicente sentado num toco. Aguarda escurecer. Enquanto isso seus homens começam a preparar uma fogueira, na verdade era parte da festa com comes e bebes que ofereci. Os companheiros do Tuiuta mostram cara feia, raiva. Ele apela para os índios que dele tomavam conta. Diz-se inocente. Os índios só deviam falar:

Tuiuta, chefe. Tuiuta, chefe pendurar você.

Um índio sai do mato quase nu, como os demais, cheios de penas, um cocar de chifres, carrega mais lenha. Acende a fogueira. O Vicente, meu amigo, começou suar frio e tremer. Saem da OCA, índios, índias, descalços, seminus, elas sobre nos peitos grossos colares com aplicação de dentes de javalis e sinos. Batiam um pau no chão, numa estrondosa gritaria e põem-se a dançar em volta da fogueira. Numa palavra de ordem, levantavam as mãos pro céu, e no bafo gritavam  pra o rei Tupã.  Noite, o prisioneiro estava realmente assustado e apela: Quero o chefe, cadê o chefe.

—  Chefe Tuiuta vem logo. Onde está índia roubada? Se tem que falar. Chefe Tuiuta pendurar você.

Eu estava dentro da tenda, paramentado, pintavam-me com Urucum, já com enorme cocar na cabeça, saía de penas, cavanhaque de pelo de cavalo. Recebi o sinal combinado. Sai batendo o tacape no chão e uivando como faziam os índios. Dava voltas na fogueira, momento em que conforme acertado, jogaram uma porção de pólvora no fogo. Gente, até eu assustei! Subiu  enormes línguas de fogo e uma nuvem de fumaça escondia quase todos. Aproveitei o fumacê parando em frente do Vicente, nem eu me conhecia daquele jeito, estico a mão em direção dos seus cabelos, quase tapando seus olhos e um cara pintado que me acompanhou, diz com voz de porco gordo:

—  Tuiuta vai vestir você para nossa festa. Tuiuta pinta você.

 Eu do lado só rezingava. Ele continuava. Eu rezingava, rezingava.  

— Você virar no espeto - dizia.

Saí de lado sem que me visse, na surdina, entrei na Oca. Deixei-o sofrendo lá com o cara pintada.

         Meu amigo Vicente, adoidado não acreditava no que acontecia. Olha em volta, procura atordoado. Só vê um cachorro deitado, um leitão amarrado que seria a alegria da festa, e os índios bebendo na cuia e dando pulinhos em volta do fogo. Gritam palavras de ordem. A festança já estava animada. Um índio punha-se ao seu lado como guarda, na mão um porrete. Tinham medo que saísse correndo pela mata onde com certeza daria tudo errado. Poderia até ser comido pelos borrachudos ou uma Jaguatirica. Índios passavam por ele, faziam careta, lambiam aos beiços.

         — Nessa altura percebi que a brincadeira ultrapassava os limites. Chamei oTuiuta: Tuiuta, vamos parar por aqui que até eu estou ficando com medo. Seu povo já bebeu e de repente...

         — Tribo gosta, não. Eles sabem que desta vez é mentira.

         — Logo vai amanhecer. Soltem o homem. Mas antes me leve de volta.

         Quando cheguei, deu tempo de um banho e uma soneca. Sei lá... Cheguei meio fedido!

Chega o Vicente com uma cara de leão traído, nada boa.

Fazendo-me surpreso, abrindo a boca, perguntei:

         — Achou os amigos, Vicente?

Só tirou as botas, caiu na cama e mal ouvi:

         — Será que preciso te contar? Espere até amanhã.

         — Eu que também carregava muito sono, desmaiei.

ACORDEI NUM SUSTO QUANDO RECEBIA UM BALDE D’ÁGUA PELA CARA.

CUIDADO, ÍNDIO NÃO ACEITA MENTIRA!

DARÁ CERTO? - Mario Augusto Machado Pinto




DARÁ CERTO?
Mario Augusto Machado Pinto

Escrever uma estória na primeira pessoa relatando uma aventura com alguém da atual turma do EscreViver numa jornada engraçada, confesso, é preciso engenho e arte! Tarefa difícil. De pronto, perguntas: o que é engraçado pra um, será para o outro? Na maior parte das vezes a graça torna-se sem graça. Falta o ambiente. E o espirito esportivo? Tira de onde? Da mala?

Busquei assunto, possibilidades, esforcei-me para redigir um texto, mas como redigir se a estória não vem? É minha culpa? Pensei nos colegas e cheguei a me perguntar: daria certo? Duvido! Por mim! Para ser atual e sincero, diria que sou muito complicado. Vocês acham que não? Atentem para minhas considerações.

Se eu escolhesse parceria, vejam o resultado de cada uma e a música de consolo:

■ FERNANDA: A ajudaria pensar em sua primeira paixão. Só há ele. Como ajudar? Não sou Cupido...
            Rapsody in Blue: 





■ MARIA LUIZA: saberia eu brincar com as crianças que ela procura sempre, usar suas plantas para preparar o chá ou teria resposta para a pergunta: Onde está o vestido tailandês? Duvido muito.
            Jesus alegria dos homens.





■ JOSÉ VICENTE: no tênis me daria balão, certeza. E há mais o fato dele estar distraído, sempre fora do ar sentindo que
Quando ela passa dengosa
Coração bate apertado
Respiração para no meio
Com desejo do olhar dela.
Bolero.


            


■ JUDITH: iria querer dançar, cantar: Dancei, dancei, dancei! . Vou abrir uma fábrica de bonecas. À atriz experiente de 30 anos pediria para me ensinar interpretar Otelo e Chincholin.
            Lago dos Cisnes.




■ CARLOS: nos Andes conversaríamos o tempo todo sobre clima e como manter um bote pronto pra enfrentar inundações e colocar a salvo as colmeias de abelhas; mandaríamos a pressa passear; ficaríamos ali mesmo.
            Talking to the Moon.




■ VERA: alegre e caríssima Veruska, ambos com mesmo mês e dia de aniversário. Temos parentes em Agnone, Itália. Hum, hum, tem humor afiado.  Já pensaram em nós dois num rally Português: Puxa o travão, ora pois. Se eu errar com certeza vai dizer La faccia della tua nonna! Pode?
            Ode à Alegria (9ª de B.)



■ ROMANO: ao convidá-lo, me diria: como vou ter no meu barco um marinheiro que só sabe o que é S.O.S e grita HOMEM AO MAR! Sentiram o meu drama?
            Simbad, o Marujo (Scheherazade-R.K.)



■ FERNANDO: eu pediria pra contar “causos” no varandão do sitio dele; daríamos boas risadas; ficaríamos com o bom vinho tinto. Jogar cartas? Nem pensar!
            O Destino Bate à Porta (5ª de B.)



■ MARIO TIBIRIÇÁ: quando o convidasse daria uma de suas rizadonas – Ha, Ha, Ha - tocaria a buzina do seu carro –FIM, FOM – FIM, FOM! Procurando a Mercedes. A aventura é só pra ele. E eu?
            Dança do Sabre.



■ LUIZA HELENA: mostra-se, fala, escreve e conta suas estórias com tanta delicadeza que eu me sentiria como um touro numa loja de cristais. Verdade! Antes de qualquer coisa certamente eu muito teria a aprender.
            Sí, me chiamano Mimi.




■ SUZANA: na mata teríamos paradas constantes nas trilhas com descrição de plantas, árvores, pássaros; perguntaria se eu conheço a mascara de Veneza, presente do Caro Giuseppe de quem sempre ouve Arriverdecci bela ragazza e ela sempre responde Tchau, belo!  Contra o Giuseppe não dá pra competir!
            O Quebra-Nozes.



Entendem como eu sou de convívio difícil?

Valeria tentar futuramente, mas digo que mesmo não querendo ferir alguém com meus espinhos, a escolha da parceria seria dificultosa.


VICTOR, O SKATE E A MOCHILA - Maria Luiza de C. Malina


VICTOR, O SKATE E A MOCHILA                                                
Maria Luiza de C. Malina

Os esportes radicais são a marca forte de Victor.

Nas marés baixas, deslizava a prancha de madeira fina, sobre a nata d´água em cima da areia. Tombos e tombos eram seus amigos invisíveis.

Sempre inventando, até dar-se frente a frente com os ávidos malabaristas do skate de asfalto.  A paixão foi imediata. Os presentes passaram a ser tênis, pranchas, rodas e trucks. Seu quarto transformara-se em oficina e de sobra, especialista em consertos dos carésimos tênis esfolados pelos movimentos que ultrapassam os limites da criatividade, na execução das manobras radicais.

 Sua lei: ninguém limpa meu quarto. Eu limpo.

Entre as tais manobra, tal qual um pássaro entre “flips e grinds” as raladas constantes transformaram-se em um grande acidente. A quebra da perna esquerda. Cirurgia e colocação de pinos. Muitos pinos. Fato a ser encarado de bom humor. Dois longos meses de imobilização.

A inseparável mochila recheada de acessórios, batata frita, bolachas, etc. estava lá.

O quarto deu lugar um pequeno bar. Repleto de amigos com salgadinhos e refri.

OK. O dia da retirada do gesso. Antes um RX. Qual não foi a surpresa do médico ao ver algo estranho na perna. Ele mesmo cortou o gesso.

— Victor, o que é isso? Exclama surpreso suspendendo algo no ar.

Victor defende-se rindo:

— Ah! Hahaha! A barata foi parar aí dentro?

— Estatelada. De pernas abertas como se fosse uma rã, ela deve ter entrado e não conseguiu sair por causa do gesso – informa o médico.

— Eu a vi. Procurei pela cama e não achei. Agora achei. O senhor não vai acreditar. Ela morava na mochila e eu deixava – explicou Victor.

— Como assim, por que você não a matou? – repreende o médico.

— Ah! Os porquês. Porque os colegas mexem nas mochilas para pegar chave de fenda e, eu não gosto. Então mostrei a eles a Barata Skatista e, assim me safei – explica.

— Mas e seu quarto? Deve estar cheio de baratas. Sua mãe sabe disto? Retruca o médico.

— Que nada, ela passa spray e a minha baratinha não morre. É como eu, forte e corajosa tal qual uma leoa - brinca sorridente.

— Tá bom, mas vamos lá Victor, arrume outro inseto ou bicho de estimação, nem que seja de pelúcia – insiste o doutor.

Em tom irônico Victor conta sua aventura.

— Hahaha! Ela tem até um pratinho em que eu esmago bolacha. Ela come e vai prá mochila. Uma gracinha foi domesticada. Quer dizer: ERA.

O médico joga-se na parede de braços e pernas abertas, imitando a Barata Skatista.      

— É assim que ela estava. Tá vendo. Toda arreganhada. Esta já foi. Agora chega de brincadeira. Vamos levar a vida a sério – aconselha.

Victor de volta para casa relata a mãe entre gargalhadas o susto do médico.              


Aprendeu a lição. Hoje mora só e, é fissurado por limpeza.