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Escapadinha do Romano - José Vicente Jardim de Camargo





Escapadinha do Romano           
José Vicente Jardim de Camargo

Será que dá certo? Será seguro?

Ele falou com tanta certeza que fica difícil não acreditar na eficiência do truque...Mas, será um truque ou uma alternativa de se salvar a vida? Tudo  depende do ponto de vista em que se analisa o fato...

Mas, como verificar se a tal “escapadinha” realmente funciona?

Só mesmo criando uma situação real de assalto, sequestro relâmpago, algo que envolva algum tipo de risco e que deixe a pessoa sob uma pressão emocional, para testar se o tal kit é confiável. Se for, mando instalar no meu carro também...

—Já sei! Vou aproveitar que ambos estamos passando férias na mesma praia e convidá-lo para fazer uma trilha no morro dos macacos que ele está curioso por conhecer. Aí peço ao Zezinho meu jardineiro, que fique de emboscada no meio da trilha e finja nos assaltar com meu revolver de brinquedo. Zezinho é bom para essas coisas. Gosta de fazer encenações, de papai-noel ao bumba meu boi, passando pelo pierrô dos velhos carnavais.

 Não devemos encontrar ninguém na trilha, pois é muito pouco conhecida e sugerirei ao meu amigo fazermos o passeio num dia de semana.

Eu fingirei uma pequena reação e ele, dado pertencer também a terceira idade e ao porte avantajado do assaltante, não deverá esboçar nenhuma. E eu entro logo com o “deixa disso, abaixe essa arma, vamos lhe entregar tudo o que temos” etc...

Orientarei o Zezinho para que peça ao meu amigo a chave do carro que estará estacionado no inicio da trilha e nos tranque no porta-malas sem os nossos celulares. O orientarei também como fazer para ligar e desligar o alarme.

Após isso, deverá dar algumas voltas pelas ruas esburacadas do vilarejo, estacionar o carro na pracinha da igreja, trancá-lo e nos aguardar no bar do Mané por 10 minutos. Se não chegarmos, volte ao carro e nos tire do porta-malas...

Tudo perfeito! Meu amigo aceitou o convite, marcamos o dia, combinamos ir com seu carro e Zezinho entendeu, com prazer, a dramatização a fazer...

Tudo corria conforme meus planos, e, no meio da trilha, quando o amigo contava o novo conto que estava escrevendo, surge, de um salto, berrando, de revolver em mãos, Zezinho, gesticulando mais pra bicha louca do que pra ladrão tupiniquim, a nos pedir celulares, dinheiro, chave do carro e que o sigamos...

Logo entro com o meu “deixa disso”, peço ao amigo calma, que entreguemos o que pede e o sigamos numa boa...

Já trancados no porta-malas, apertados um contra o outro sem se poder mexer, sofrendo os solavancos da rua e iniciando a sentir falta de ar, lhe pergunto:

— Põe logo em ação o kit “escapadinha relâmpago” que você bolou e mandou instalar para essas ocasiões, que já está me dando claustrofobia. Ligue a luz escondida e o ar secreto...

— O botão da luz está atrás da minha cabeça - me diz - mas, não consigo me mexer para alcança-lo. E o ar já liguei, mas acho que o cilindro de oxigênio está vazio ou vazando, pois nada sai. Como nunca precisei usá-lo, esqueci de fazer a manutenção...

— Então acione o sistema de mola para abrir o porta-malas por dentro – Peço.

— Não está funcionando! O põe e tira das malas, deve ter danificado o sistema -  diz com voz desanimada.

—E você que elogiou tanto esse sistema, que iria comercializá-lo, empreendedor premiado que é...

— Ah, mas espere para ver! -Me contesta com voz firme de quem tem uma solução na ponta da língua...

Nisso, ouve-se o ruído do porta-malas se abrindo e a figura de Zezinho curvando-se para falar algo...

Mas, sem tempo...

Meu amigo tira, não sei de onde escondido no porta-malas, um spray de cegar e imobilizar o adversário, prostrando-o no chão...

Tempo suficiente para sairmos aos pulos e ele, como num toque de magia,  me aparece com uma algema e o engancha junto ao estepe do porta-malas, já fazendo menção de lhe dar uns bofetes...

Paro-lhe o impulso e o convido, para sua surpresa, para uma cerveja no bar do Mané em companhia do assaltante, ou melhor, do meu jardineiro inocente...

De copos erguidos e na presença de vários curiosos que assistiram a cena, a qual, inclusive, já percorria todo o vilarejo, lhe conto a história e o motivo que me levou a planejá-la concluindo:

— Pelo visto não vou instalar esse tal kit da “escapadinha”. Sinceramente não me convenceu. Sou também muito esquecido e sempre viajo com muitas malas...

 — Depois do ocorrido, já tenho algumas ideias de melhoria, você vai ver que beleza que vai ficar! Diz o amigo empreendedor com olhar desafiador...

— Tudo bem! Só que quero uma demonstração na garagem mesmo, retruco... 
Mas esse tal spray vou comprar uma meia-dúzia, comprovou eficiência...

— E a história toda não foi em vão – continuo - vai dar um bom conto quando reiniciarmos as aulas do Escreviver. Basta fazer alguns ajustes...


— Mas, veja se capricha mais na minha participação, diz Zezinho, pois ator morto não dá Ibope...

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