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Real xícara de chá - José Vicente J. de Camargo



Real xícara de chá
José Vicente J. de Camargo

Estava ela soberana na vitrine de um famoso antiquário londrino com uma tarjeta informando ser da dinastia Ming, e que já pertencera ao Duque e Duquesa de Windsor. Após o falecimento do casal, a peça foi leiloada junto com outros pertences em disputados lances de alto valor.

Toda em fina porcelana chinesa tipo “casca de ovo” pintada a mão em delicados filigranas de ouro, retratando um jardim chinês com rouxinóis e borboletas dançantes.

Quantos lábios já não devem ter tocado sua borda sorvendo o chá quente extraído de ervas aromáticas vindas da China, Índia, Ceilão? E esses lábios seriam carnudos, sensuais? Ou juvenis de cor carmim vivo? Ou quiçá senis e doentes? Estariam eles falando numa reunião formal ou familiar? Ou num diálogo amoroso? Talvez numa reunião de ódio e vingança? 

— Sim, Incrível! Como um objeto pode ser o ponto de partida para tantos devaneios e conjecturas podendo até se transformarem  contos, romances e poesias...

Entrona loja e pergunto ao vendedor a origem da xícara e se pertence a um jogo de chá ou se tem um par faltante...

 Surpreso pelo meu interesse, já descartando a possibilidade de uma venda dado que minha aparência é muito mais de curioso do que de colecionador, responde:

— Triste história! Era um par de xícaras, presente do embaixador chinês ao Duque, quando este ainda era rei de Inglaterra antes da sua abdicação ao trono por amor a americana plebeia.

Liberto das obrigações reais, ele se casa com seu amor que vira Duquesa e levam consigo, ao exílio, o par de xícaras que a Duquesa, de imediato, adotou como seu utensílio favorito, por ser nelas que ambos tomaram seu primeiro chá na nova vida conjugal.

 A partir de então, dizem os amigos mais íntimos do casal, eles faziam questão de só tomar o chá nessas xícaras e, quando em viagem,  levavam-nas  num estojo apropriado. Talvez uma forma de renovar,  em cada gole, as juras de amor eterno um dia trocadas...

E assim viveram felizes, um para o outro, já que não tiveram filhos, por mais de cinquenta anos...Até que a morte natural chegou para o Duque, e a Duquesa, levada por sua paixão por ele, enterra sua xícara, como  se parte dela fosse, junto ao Duque.

Nos anos seguintes de solidão, a Duquesa continua com o ritual de tomar seu chá na xícara do Duque, como se em cada gole, trouxesse parte dele para si.

Quando ela falece, e não deixando nenhuma vontade por escrito, a xícara restou para contar a história...

— Sim, realmente uma história muito bonita! Obrigado por contar-me...

Deixo a loja com um olhar de despedida na xícara solitária que parecia implorar que alguém a levasse para voltar aos tempos gloriosos da nobreza, ou pelo menos ter de volta seu objetivo de proporcionar prazer aos apreciadores da reconfortante bebida de infusão de ervas.

Esta imagem  desperta em mim uma grande vontade de saborear uma xícara de chá inglês de limão com gengibre acompanhado de biscoitos amanteigados, ou melhor, quebrando o jejum, de um bom pedaço de apple-pie.

— Ah, lógico! Numa xícara de porcelana chinesa...

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