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Tempos difíceis - Fernando Braga



Tempos difíceis
Fernando Braga

Não vou me esquecer do dia 29 de junho de 1968 quando recebi o telefonema aflito de meu companheiro de trabalho:  por favor, você ou alguém tem que me substituir hoje, pois estou com um problema muito sério.

-É problema de saúde? Indaguei.

- Minha mãe, acabou de contatar-me, dizendo que policiais foram à minha casa e levaram algemado meu pai para a delegacia. Disseram que ele apenas iria esclarecer algumas dúvidas. Meu pai é um homem pacato, que nunca se meteu em encrencas! Estamos muito preocupados. Por favor, me quebre este galho – explicou aflito.

- Claro, pode ficar sossegado. Avise-nos da evolução.

Uma semana depois Claudio apareceu ao serviço. Estava transtornado, dizendo que não haviam mais tido notícias de seu pai. Tinham procurado em todas as delegacias. Contrataram advogados, contataram alguns políticos, mas nenhuma notícia. Sua mãe estava desesperada não se alimentava mais. Pedia que continuássemos lhe dando cobertura no trabalho.

Todos, ficamos realmente assustados. Pela primeira vez, tomávamos conhecimento do que poderia ser um regime férreo.

Exatamente no dia 8 de julho, no período da tarde, Claudio nos contou que seu pai finalmente, apareceu em casa. Sujo,  barbudo, mancando da perna direita, com vários ferimentos contusos, hematomas, revoltado, mas ao mesmo tempo extremamente feliz.

-Um dia antes de me prenderem -    contou-lhes o pai -  dei carona para um rapaz, que apressado, me abordou em um semáforo da avenida São João, perguntando se eu ia em direção ao largo Sta Cecilia, pois sua mulher havia sido levada às pressas para o hospital. Pedi que subisse no carro, e após dez minutos, o deixava na porta do Hospital. Praticamente não conversamos. Reparei apenas que tinha o rosto redondo e era baixo de estatura. Um transeunte próximo, viu a agitação do rapaz ao me abordar e anotou o número da placa do meu carro, pensando que ele estivesse me sequestrando e, comunicou à polícia. A polícia, que procurava por um terrorista, naquela área, julgou que eu o havia recolhido e fosse cúmplice. Após localizar o endereço de meu carro, veio buscar-me. Levaram-me para o DEOPS e lá permaneci até hoje, incomunicável. Não acreditavam quando lhes dizia, que apenas havia dado carona para o rapaz, que não o conhecia. Eram quatro a me investigar todos os dias e diziam que era melhor eu confessar logo, se não iria sofrer muito. Bateram-me, me fizeram passar sede e fome, analisaram detalhadamente toda minha vida. Até que afinal conseguiram comprovar a verdade que referi. No final, pediram-se desculpas e me contaram que eu havia dado carona, para um dos mais procurados bandidos, o Marquito, com cognome de Pedrinho, que graças a mim, conseguira mais uma vez escafeder-se. Ele era parceiro do tal de Marighella, baiano, que havia sido deputado federal pelo partido comunista e que agora era considerado o inimigo público número 1.


Meu pai contou muitos outros detalhes de sua estadia sofrida, nas dependências do DEOPS, e pensativo concluía, que desta vez, se não tivesse conseguido provar que não era elefante, teria certamente perdido a parada.

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