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O Expectador - José Vicente J. de Camargo


O Expectador
José Vicente Jardim de Camargo


Sentado na sala de espera do aeroporto, manuseava o computador com a maestria de quem desde há muito é familiarizado com o mundo da informática.

Vez ou outra parava para observar o ambiente ao redor e principalmente as pessoas que ora apressadas, ora calmas, procuravam seus portões de embarque sempre tendo as mãos ocupadas com pastas, malas, sacolas e a indispensável muda de roupa pesada ou leve dependendo do lugar de destino.

Desde quando se lembrava, era por natureza um observador. Gostava mais de apreciar as brincadeiras na infância, os jogos na juventude, os bailes na mocidade, do que tomar parte dos mesmos. Quando convidado, encontrava sempre uma desculpa e ficava a observar os movimentos dos corpos, a direção dos olhares e as mudanças de expressões nos semblantes dos participantes. Pena que não tinha o dom do desenho ou o da pintura, para registrar tais instantes em momentos eternos.

Um de seus passatempos prediletos, em horas de lazer, era passear por ruas e parques a observar os transeuntes: jeito de andar, de vestir e, através dos gestos e articulações labiais, tentar adivinhar seus pensamentos e intenções.

A voz melódica do alto falante anuncia o embarque de seu voo. Ele perfila, passa pelos trâmites e encontra sua poltrona numerada junto ao corredor na parte anterior da nave. A tribulação faz a vistoria de praxe e o capitão dá a ordem de decolagem.

O menu do jantar não era lá essas coisas, tinha saudades do tempo em que os serviços de bordo de vôos internacionais eram comparáveis aos de restaurantes cinco estrelas. Mas a globalização, o turismo em massa, a competitividade das tarifas, deram lugar ao cardápio popular e aos utensílios de plástico.

Pelas horas de voo transcorridas, já deveria estar sob o Atlântico, quando o sinal de apertar cintos ascende e o comandante avisa que o avião está entrando em zona de turbulência.

De repente um forte tremor sacode a aeronave, desce em queda livre, se estabiliza, volta a subir, quinada a esquerda, depois outra a direita, um estrondo se faz ouvir, bagageiros se abrem, mascaras de oxigênio despencam ao alcance das mãos, led vermelhos piscam incessantemente e as primeiras exclamações de medo, intercaladas com choro de crianças, se fazem ouvir.

A tripulação bamboleando pelo corredor pede calma, procura acudir os mais aflitos, enquanto, pela janela, a escuridão da noite é rasgada por faíscas elétricas vindas de uma das turbinas.

Ao seu lado, a senhora que até então se passava desapercebida, faz o sinal da cruz e inicia a ladainha do terço.

A gritaria e o nervosismo aumentam na mesma proporção que a instabilidade da aeronave, que caindo nos ditos “vácuos” vai levando o estomago ao coração.

Ele, contemplando a balburdia descontrolada, se fixa na gesticulação de desespero, nas expressões dos rostos apavorados, no abrir e fechar das bocas trêmulas e não se contém:

Larga uma gargalhada de dar gosto!

Os que a ouvem, creem que o coitado está histérico, prestes a ter um ataque de epilepsia ou algo semelhante.

Ele, porém, desfruta dos seus melhores momentos. Seus sentidos procuram absorver ao máximo cada instante da cena em transe e, em êxtase, exclama para si mesmo:

- Sim! Agora compreendo o gozo de Nero dedilhando sua lira ao contemplar Roma em chamas...




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