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CARTA PARA SARA - Mario Augusto Machado Pinto

CARTA PARA SARA
Mario Augusto Machado Pinto

Sara, meu benzinho,

Estou no quarto do hospital em que está nosso sargento que acabou de receber a Medalha de Mérito com louros. Ficou levemente ferido numa “loucura” feita há uns dias. Nós todos do destacamento fomos condecorados pelo resultado. Claro que participamos da ação,  mas só ele se feriu.

É como expliquei na carta do outro dia: devido ao regulamento não posso lhe dizer onde estou exatamente. Antes de embarcar dei uma ideia de qual seria meu destino. Continua o mesmo.

Sinto muito frio, não tanto pela temperatura, mas pelo fato de não estar com uniforme apropriado para inverno. Dizem que chegará no próximo embarque.

Passamos por treinamento para nos adaptarmos à situação que viveremos aqui. Disseram que aí não havia possibilidade, acho que estão certos. É só pensar na roupa, na comida que na cantina é servida em bandeja,  e no campo é enlatada e ainda tenho que esquentar. A primeira vez que fiz, esqueci de fazer um buraco na tampa da lata e quando abri – como nas nossa latas de sardinha – foi comida pra todo lado. Queimei os dedos. Pensa que me afastaram do treinamento? Nem pensar! Deram-me  luvas de couro e toca pra frente! Foi meu primeiro ferimento!

Depois do cursinho rápido, já estamos na ativa e o negócio é bem diferente. Não é cada um por si, mas é quase. Depois em conto.

Outro dia tinha uma turma do lado de lá – tá entendendo? – que não deu folga durante três dias e noites. Nosso sargento disse que estava ficando de saco cheio daqueles caras e ia resolver o assunto. Foi um upa pra ele entender que sozinho não ia conseguir. Além disso, era pra ficarmos no nosso  “fox hole”, buraco, até ordem em contrário. O que ele queria? Vencer sozinho a parada?  Tava loco de pedra!

Uns dias depois chegaram a ordem e uns novatos. Todos de uniforme limpinho e bem passado. Tinha um com vinco feito à máquina na calça! Imagina! Demos um esbarrão nele,  se esborrachou na lama. O cara reclamou de todo jeito, só faltou chorar, mas dissemos pra ele que tudo foi feito com carinho, pra dar as boas vindas. O cara fez que acreditou, sorriu e abraçou todo mundo. Apelidamos ele de Lamas, nome igual ao do café no Rio.

Mas, o caso é que durante a noite a gente tem que estar muito atento. Vai que um cara de lá resolve nos visitar! Vai ser... Não escrevo o nome, mas você sabe. Então a gente fica de sentinela por quatro horas. É chamado “o nosso quartinho”. Depois é dormir quando não há pipoca estourando pra todo lado que nem no panelão. É aí que a porca torce o rabo.

À noite fico pensando em você. No que já falamos, fizemos e sonhamos fazer... Vejo seu rosto como luas em diversos lugares do céu. Falo com elas, e no sussurro do vento escuto sua voz. E, juro! Sinto você aqui ao meu lado! O “sarja” diz que sou um sonhador e pro lado de lá, a plenos pulmões,  ele canta  a música que mais gosta:

— Acuerdate de Acapulco de aquella noche Maria Bonita, Maria del Alma...

Todas às vezes os protestos se fazem ouvir: estouram pipocas mandando calar...Calamos.

Tanto ele canta que passei a cantar junto com ele.

Uma noite depois da cantoria interrompida, disse que devíamos dar um jeito na turma  de lá. Era a ordem recebida, ia dar uma espiada no terreno, daria sinal com a lanterna e depois a gente armava um plano. Saiu rastejando na neve.  Pipocamos pra todo lado sem parar pra proteger ele. Eu acompanhava com os binóculos. Tava errado! Eu via, então os outros também! Não deu outra. Pipoca de todo lado deles; ele avançando e de repente dois estouros. Parou o pipocar de lá, e ele cantou: 

— Acuerdate de Acapulco...

Foi formidável. Todos nós ganhamos medalha por que nossos companheiros puderam avançar.    


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