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O meu sítio - Fernando Braga


O meu sítio
Fernando Braga

         Eu nasci em 1935, em uma cidade que não existe mais!

         Era Rio Preto e depois se tornou São José do Rio Preto. Era uma cidade pequena, com 25mil habitantes e hoje uma megalópole com 450 mil. Tinha apenas 30 quarteirões calçados com paralelepípedos, hoje com grandes avenidas, tudo asfaltado, no centro e em seus mais de quarenta bairros, muito deles, bem afastados.

Algumas mudanças foram para pior como a antiga catedral que foi derrubada e em seu lugar construída nova igreja, cuja arquitetura com o formado de um caixão, não pode ter agradado a ninguém.     Ainda, a estrada de ferro araraquarense, de bitola estreita, que tinha inclusive cabines com leitos, que nos conduzia  a  São Paulo, foi fechada para o transporte de passageiros. Mudou tudo, perdi amigos, parentes, restando poucos, mas continuo adorando esta cidade bonita, limpa, que proporciona excelente qualidade de vida, um dos maiores centros estudantis, universitários, médico do país.

          Morando há mais de 65 anos em São Paulo, em 1975, comprei um sítio próximo, na cidade de Bady Bassitt, a 15 km de São José do Rio Preto. Por três vezes, reformei a casa antiga com 150 anos, que era a sede de uma fazenda, conservando todas as suas características, melhorando-a sobremaneira. Não tinha agua encanada, não tinha privadas,  apenas fossa, e ao redor da casa, era uma quiçaceira só.   Conservei as porta altas, janelas grandes, inclusive com suas ferragens, vindas todas da “Germânia”.

         Construímos dois chalés, cinco lagos profundos e extensos, com agua de mina, comunicantes, uma vez que o terreno vai decaindo em um vale que era conhecido como “vale dos dinossauros”. Todos os lagos, exceto um, contém grande quantidade de pintados, pacus, tambacús, tambaquis, além de tilápias, que são os alimentos preferidos dos outros peixes. Entre os lagos e ao redor, uma grama muito bem cuidada, parecendo um campo de golfe. Ainda, na periferia uma mata fechada, uma parte natural e parte, vinda de reflorestamento que tive que fazer, para compensar a feitura dos lagos. Nestas matas habitam capivaras, tamanduás bandeira, macacos, porco espinho, ariranhas e também cobras. Tem pomar com laranjeiras, manguezal, pés de goiaba, acerolas, peras, limas da pérsia, mamoeiros, e mais de 10 pés de jabuticaba, que em setembro, enchem-se de frutos, para nossa delícia. Em dois canis, ficam três  Rottweiler  e um Dogo argentino, para a suposta segurança e que à noite são soltos de dois em dois. A minha paixão é todos os dias pela manhã passear com os cachorros soltos, mas sempre de dois em dois, uma vez que podem brigar, e que briga!!!

         Neste paraíso, ainda temos uma enorme figueira de 130 anos, que  é, para meus netos, encantada, onde habitam os duendes, que podem ser vistos em uma sexta-feira, de lua cheia, se você souber o misclofe, dará-dara, triloliro... Que todos os meus netos sabem de cor. Tem uma ruina de casa abandonada a uns 300 metros da sede, hoje habitada pelas três bruxas, duas más, a Lenoca e a Ciloca  e a outra boa, a bruxa Carminha, que é a responsável pelo triturar dos dentinhos de leite que caem e transforma-los em um pozinho mágico, bom para as horas certas. A bruxa boa contratada) já apareceu e conversou com eles. Pena que os netos acima dos 8 anos, não estão mais acreditando nos duendes, nas bruxas e em índios que aparecem, ocasionalmente. A cozinheira é ótima, e não há nada igual ao seu feijão e arroz, carne de panela, frango caipira frito, melado, batata frita, e salada com legumes hidropônicos. Todos, gostamos tanto do sítio, que minha netinha, com 6 anos, recentemente foi passar uma semana na Dysney e após 2 dias queria voltar, para ir para o sítio.

          No sítio, às vezes, acontecem fatos muito interessantes, como o que ocorreu da última vez, por ocasião deste carnaval. Meu filho mais moço, chegou de São Paulo, com sua mulher e duas filhinhas, por volta das dez horas da noite. Com sempre faz, usa outro caminho, contornando os lagos, para chegar à um dos chalés. Quando ilumina os lagos com a luz do carro, vê centenas de pererecas pulando, vê capivaras passeando com os filhotes nas barragens dos lagos, ouve o grito dos bugios e desta vez, viu ao passar entre um lago e outro, uma grande bola escura bem na entrada do tubo de 9 polegadas, que comunica a agua de dois lagos. Parou o carro, colocou a luz sobre o local e percebeu que se tratava da cabeça e parte mais superior de uma grande cobra, certamente uma sucuri, que estava passando de um lago para outro pelo cano e parecia presa.  Quando foi iluminada, voltou o corpo no tubo ficando apenas com a cabeça para fora. Ele foi à sede nos chamar e logo descemos com lanternas. Realmente era uma sucuri, de uns 4 metros. Iluminando a parte distal do tubo, víamos o rabo e a parte traseira do corpo da cobra, que estava bloqueando a passagem da água pelo cano. 

Cutucamos com um bambu comprido a parte traseira da cobra, que nestas ocasiões apenas levantava mais sua cabeça, para fora do tubo. Fotografamos muito o espetáculo e após uma hora fomos dormir. Por volta das 3 horas da manhã, meu filho veio ver a cobra e lá estava, apenas com cabeça para fora do tubo. Voltou para o quarto, com o propósito de, no dia seguinte, prender a cobra, com uma rede. Às 5 horas da manhã, o outro filho foi ver a cobra, que não estava mais presente e a agua corria livremente pelo cano. Em nosso sítio procuramos sempre, não matar jiboias, que frequentemente aparecem e mesmo, as sucuris. No dia seguinte, conversamos com nosso empregado e contamos o ocorrido. Ele nos disse haver mais uma ou duas destas cobras e que estão comendo os nossos gansos. De nove restaram quatro, pois os outros desapareceram sem deixar pista, sinal de que foram engolidos. Só podem ter sido as sicuris, como chama ele estas cobras.

          Como resultado, as crianças ficaram proibidas de nadarem nos lagos, como é costume, e nós temos que levar um punhal forte, resistente, em uma bainha presa na coxa, que pode ser nossa única salvação se formos presos por esta cobra e olhe lá....


         Qualquer dia, com certeza, voltaremos a nos deparar com Silvia, o nome que demos à esta sucuri.

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