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Linhas tortas - Lúcia Amaral de Oliveira Ribeiro



Linhas tortas
Lúcia Amaral de Oliveira Ribeiro

Mário Brás, descendente de italianos, meia idade, confeiteiro. Não possui conta bancária, guarda em casa tudo o que ganha. Seu sonho: comprar de volta a torre que foi da sua família, localizada em uma aldeia na Toscana. O plano, por linhas retas: tornar-se o melhor confeiteiro e o mais bem sucedido do bairro, o Brás. Depois: tornar-se o melhor confeiteiro da cidade; comprar a confeitaria onde trabalhava; ficar rico. Objetivo nobre: trazer de volta para a família um monumento histórico; preservar o monumento, transformar a torre em museu; e então, quem sabe, desenvolver na aldeia uma escola para confeiteiros. Doces de marzipã, cannoli, zabaione... hummm, só de pensar, ficou com água na boca. Linhas tortas: os fins justificam os meios. Há, há, há – ele riu como seus antepassados. Lembrava-se de uma frase: A vingança é um prato que se come frio. Lembrou-se de todas as vezes que se sentiu ofendido pelo patrão, o dono da confeitaria. Faria tudo por vingança. 

Por linhas sinuosas, sua imaginação ia longe. Começou a pôr em prática sua imaginação. Dividiu o objetivo fim em etapas. E assim foi desenvolvendo um plano maquiavélico. Escreveu as primeiras ideias do plano em um caderno. Seguindo um método, lançou os objetivos; depois, alternativas, várias, com um espaço para descrever possíveis resultados, que classificava, conforme o andamento das atividades, em três categorias: resultado alcançado; alcançado parcialmente; mudar de direção.

Ao longo dos anos refez partes do plano, fez ajustes. Completou três cadernos com o plano. Os cadernos estão hoje na torre de uma aldeia na Toscana. Pois é, a torre virou museu, e o plano virou acervo. Mário agiu de maneira coordenada durante anos. Ele realizou de maneira metódica diversas ações, tudo conforme o plano. Ia bem, mas estava muito distante de alcançar os resultados que esperava. Foi então que um acontecimento em 1990 – outro plano – veio acelerar todas as etapas do que planejava há anos. Quem hoje se lembra do plano Collor? O confisco da poupança de todos no Brasil – esse era o cenário, conforme o jogo econômico, na época.

Aristides, dono da confeitaria Roma, casa tradicional do Brás, estava desesperado, sem dinheiro pra comprar farinha, pagar os funcionários, o aluguel. O que fazer? Desabafou com Mário, o empregado mais antigo, grande confeiteiro. Mário ouviu Aristides se queixar, praguejar, esmurrar a parede, e por fim, chorar.


Dez anos de trabalho na confeitaria. Mário não tinha se casado, não tinha casa, carro, nada de luxo. Guardava todo seu dinheiro no quarto em que dormia, nos fundos da confeitaria. Seu dinheiro, que antes se desvalorizava com a inflação, subitamente parecia valer muito! Ele não falou nada do dinheiro para Aristides. 
Aguardou o patrão chegar ao fundo do poço... até contribuiu para que o poço ficasse mais fundo. Escondeu sacos de farinha em seu quarto, quebrou peças de equipamentos da confeitaria, fez uma porção de coisas de que hoje se envergonha muito. Na época, justificava tudo pela nobreza de seus objetivos. Pra encurtar a história: Mário comprou a confeitaria. Ganhou dinheiro, muito dinheiro. Mas não foi seu dinheiro que possibilitou transformar a torre em museu. E a torre não voltou para sua família. Acontece que um dia os golpes de Mário (ele sonegava impostos, deixava de recolher fundo de garantia dos funcionários, etc.) foram parar na justiça. Como a confeitaria era conhecida, sua história foi parar na televisão – ele era uma celebridade. Antes de ser preso, contou sua motivação para tudo o que fez: transformar a torre em museu e criar a escola de confeiteiros. Arrependido pelas linhas tortas, chorou. Seu choro foi visto por milhares de pessoas. Um dia, Mário, que tinha se tornado um preso exemplar, recebeu uma visita. O italiano à sua frente tinha uma revista nas mãos. Na capa, a notícia sobre a torre, o museu recém inaugurado. O italiano à sua frente tinha uma proposta: realizar uma escola para confeiteiros na cadeia, queria a ajuda de Mário, e sua autorização para levar seus cadernos para o acervo da torre na Itália.

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