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Le Moustache de Dali - Vera Lambiasi



Le Moustache de Dali
Vera Lambiasi

Vô Salvador guardou por toda vida um segredo, dentro de uma caixinha de cigarrilhas.

Ninguém podia mexer em sua escrivaninha, repleta de penas e mata-borrões.

A tampa abaixada instigava os netos, sempre a procura de lápis de cor.

Qualquer aproximação era vetada. As crianças reclamavam com seus pais, que argumentavam poder ter o velho certa privacidade.
A caixinha era guardada no fundo de uma gaveta trancada. E o mistério seria levado até a morte de Salvador.

Até que André, o mais capeta dos netos, resolveu arrombar a tal gaveta e desvendar o mistério. Era madrugada, todos haviam saído ao baile, e o avô dormia enterrado em seu colchão. Lá estava sua chance.

Pé ante pé, atravessou o corredor escuro e dirigiu-se à biblioteca.

Com uma faca de pão abriu facilmente o móvel antigo e a pequena gavetinha atulhada de bugigangas. Pulavam cartas em ramalhetes, flores ressequidas e algumas camisinhas!

–       Vovôô???

–       Sim, André, ainda tenho uma vida!!!

Gritou o avô já bem acordado.

E bravo pelo atrevimento do menino.

Ambos sabiam que o grande segredo estava lá no cantinho, e dali não sairia.

Era surreal o que estava acontecendo. Chegaram tão perto, e recuaram, ainda envergonhados.

Muitos anos se passaram até que Salvador, realmente doente, chamou o neto, agora adulto, para uma conversa na biblioteca.
Abriu a escrivaninha, destrancou a gaveta e tirou de lá a enferrujada caixinha.

–       Abra você mesmo, seu moleque.

–       Mas vô, isso é só um bigodinho!

Os risos ecoaram por toda casa, os dois perdiam o ar e retomavam de tanto gargalhar.

A família foi se juntando para ouvir a revelação.

Que não tinha nada de misterioso ou vergonhoso.

–  Sua avó me disse que só se casaria comigo se eu tirasse aquele bigode horroroso de Salvador Dali. E assim o fiz, mas guardando-o para sempre como símbolo de minha juventude.

Salvador faleceu alguns dias depois, e sua face ainda esboçava um sorriso maroto, como se escondesse algo fascinante.


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