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A VIAGEM - Oswaldo Romano



A VIAGEM
Oswaldo Romano

         Capítulo I
           
                                         
         — Oi Pai, - disse o filho Carlos: Onde vocês vão passar o réveillon?

         — Se pelo menos um de vocês me acompanharem, vamos para Paraty.

         — Pai, Conte comigo! Eu, a Cá e meus filhos, como em todos os anos, também iremos. Alias, pelo menos ficaremos até o aniversário da Mãe, dia 8. Só que, eu vou dirigindo seu carro. Você se queixa do pé adormecido e que com a fisio ainda não sarou.

         — É verdade, melhorou. Não impede que eu ande bem e até dirija.

         — Vai se acostumando pai, eu levo sua Cherokee, você, a Mãe e a Izabel, e  as compras exageradas da Mãe. E, a Cá vai na Vera Cruz e leva as crianças. Quatro pessoas em cada carro.

         — Nossa bagagem e a sua, mais parecem uma mudança. 

— Então... No Vera Cruz vão, Cá, Biel, Dani e a Kika. Na Cherokee, você vai de co-piloto.

         Íamos para o Réveillon. A  passagem do ano, teremos uma bonita noite com fogos vistos da lancha ao mar deslizando sobre as ondas iluminadas pela lua. As taças vão se chocar, a alegria imperar.

         Claro, os problemas não resolvidos também passarão de ano.

         No dia seguinte, vamos relaxar na piscina, aperitivar, e estourar outras. Matar saudades do dia anterior.
***
         Assim foi montado o passar do ano. A notícia de que havia muito trânsito, antecipou nossa saída. Mas, nem tudo são flores. Elas carregam seus espinhos.

         Seguindo nosso destino, saímos em comboio. Carlos me achando passado na idade e sabendo que carregava o probleminha, insistiu dirigir meu Jeep.
         — Então Pai? - Perguntou insinuando - Está na hora do senhor entregar o volante quando em viagem.

         — Filho, eu ainda posso dirigir. Hoje deixo você em respeito ao meu pé.
          
     No outro carro, já na Via Dutra, o Biel disse:

         — Mãe, olha o pai bem lá na frente – e apontou.

         — Calma filho, eu logo vou alcança-lo.

         — Tá longe, Mãe

— Dani, aquele não é o pai?

         — É, ele está mudando de faixa. Vai indo para a faixa um.

Nisso, a Kika, caçula de 9 anos, que andava absorvida na digitação do seu inseparável quadrado, querendo participar, dá seu parecer:

         — Mãe, toca, corre! Vamos ficar atrás dele.

         — Filha, calma. A estrada está pesada.

Kika lançou um olhar interrogativo para os dois irmãos. Não precisou falar nada, pois logo veio a resposta:

         — Veja ai no Google o que quer dizer “estrada pesada”.

— Parece que o Carlos diminuiu - disse a Cá - deve estar esperando pela gente.
         Realmente, no Jeep pedi ao Carlos para ir maneirando. Tínhamos que dar tempo dela se aproximar.

         — Pai, disse o Carlos, nem precisa. Começou um para-para, um para-anda, certamente algum problema lá na frente.

         CAPÍTULO II

Íamos no para-anda, tudo bem devagar.

         Cá aproveitou, e acelerando por entre as brechas, conseguiu encostar atrás da Cherokee. Carlos olhou pelo retrovisor, confirmou aliviado que era ela. Só que nesse pequeno gesto de uma fração de segundo, ele não percebeu a freada do pequeno carro da frente.

          — Carlos cuidado! Vai bater, vai bater - eu disse.

A mãe no banco de trás observava o “o andar das carruagens”:

         — Cuidado filho, esse burro aí parou!

O Carlos conseguiu frear, faltando um palmo para atingi-lo.
—  Ufa!!

Mal deu tempo de respirar. A  Cá que conseguiu encostar, assustou-se com a brusca parada:

         — Ave Maria! Vou bater no carro do sogro!

Pisou firme no freio, seu carro respondeu, parou quase encostada. Ela e os filhos respiraram fundo. Quem menos sentiu foi a Kika absorvida no quadrado e seus joguinhos.

         — Graças a Deus!

 Só que o alívio durou pouco. O carro de trás entrou com tudo em cima da Vera Cruz, jogando-o sobre o Jeep, que jogou-se sobre o carrinho novo, novo na estrada e certamente um novo ao volante.

         O Vera Cruz ao bater na Cherokee, acionou os air-bags assustando e pulverizando todo interior de branco ao se desinflar. Ato contínuo foram só batidas atrás, o chamado engavetamento.

         — Mãnheeee - disse a Kika - Fiquei pintada de branco. Estragou meu quadrado... 

O Biel:
—Mãe ce tá ferida? 

O Dani:
—Caraca! Meu óculos pulou.

A Cá branca e tremendo:
— Filhos, alguém se machucou? Eu não tive culpa... eu brequei.

         Na Cherokee, ficamos estáticos, torcendo para que nada de mais grave tenha acontecido.  Enquanto saiamos do carro, o da frente abriu a porta, e de lá saiu um gordinho que veio ao nosso encontro bradando: Quem bate atrás é culpado, quem bate atrás é culpado.

         — Calma cara, primeiro vamos ver se tem feridos. O resto é resto!

         — Sim, mas veja o que restou do meu carro! Quem bate atrás é culpado! Quem bate atrás é culpado.

         — Sim, mas foi você quem quebrou o comboio, estancou, ocasionando tudo isto.

         — Eu! Que comboio?

         — Carlos, vamos esquecer esse infeliz agora. Precisamos avaliar os estragos.

         CAPÍTULO III

         Todos indignados. Culpados ou não. Foram chegando policiais, bombeiros, ambulância, médicos. Havia pouco estrago na Cherokee, que se manteve funcionando fornecendo o ar condicionado desejado por todos.

         Lá na frente, o Carlos vinha balançando uma coisa e dizendo:

         — Pai, olha o que achei?

Deu branco até perceber, era nossa placa.

Verificado não haver feridos graves, a providência imediata foi colocar os veículos no acostamento.

As crianças estavam incrédulas. Era um transito de pessoas e de guardas, uns com apitos estridentes, outros preenchendo relatórios.

         — Um moço passou carregando um para-choque estropiado. Uma bem nutrida desfilava com meio volante.

         — Dona, onde achou isso?

         — Não achei, quebrei no peito... 

         Um policial que não segurou o riso dissera a Cá:

— Esse ai detrás disse que você deu ré e bateu nele. Fosse tudo de borracha até aconteceria o tal efeito sanfona.

Cruzei os braços observando os estragos. O capô do carro, atrás do Vera Cruz, estava em cima da capota. Para trás uma sucessão de amassados.

         Braços cruzados, senti sangue na minha mão. Feri-me no antebraço nem havia percebido. A notícia correu e varias pessoas apareceram, curiosas ou querendo ajudar. Cá logo estancou o sangue com um curativo. Só que quando tem sangue, o médico aparece. Obrigatoriamente fui levado e medicado na ambulância, bem equipada, com ar, e tudo mais. Refizeram o curativo, e ali mesmo na maca, procederam a vários exames.

         Em seguida, todos os motoristas foram obrigados a soprar o bafômetro.
         — Já tô livre moço, sopro a vontade.

O guarda riu desse, anotando na ficha.

         — Pai - disse Carlos - O seguro está providenciando nossa plataforma. Vem a que estiver mais próxima.

         — Bem pensado. Estou ligando para São Paulo pedindo o Passate. O Honorato deve trazê-lo.
        
O calor sufocava. Dava dó dos guardas com roupa pesada e cheia de faixas amarelas. A rodovia estava um caos.

A plataforma da seguradora chegou rápido. E, rapidamente, guinchou a Vera Cruz  orientando-nos segui-lo até o próximo Posto de Combustível. Chegando lá, descarregaram-se as malas, cestas, pacotes, roupas e toda parafernália que o Carlos costuma  carregar. Amontoamos num canto e ai, com mais atenção, vimos com tristeza a Vera Cruz danificada voltando de plataforma para São Paulo.

         — Pai - falou o Biel amenizando - quem vê a gente aqui com certeza vai pensar que somos retirantes nordestinos.

         — Parece mesmo. Pior que não temos nem onde sentar.

         — Sentem em cima das malas, é o jeito, e assim foi feito.

         — Pelo menos temos água e sorvetes na conveniência.

         — Quem foi ao banheiro, disse que não voltaria lá. Mal cabe a bacia. Está cheio de latas, baldes, panos sujos, vassouras, sacos de lixo, garrafas, água preta pelo chão.

         O Carlos, já cansado com toda essa movimentação, ainda teve coragem de ficar no acostamento da Dutra para cercar o Passate. Com ajuda do celular, ele nos encontrou. Tudo deu certo.

         — Graças a Deus! - Exclamou a Clara - Olha o Honorato chegando! A grande bagagem no chão não coube no Passate, dividiu-se com a Cherockee. E coitado do Honorato, regressou de ônibus.

O sol já se ia quando reiniciamos a viagem. Fica aqui um importante conselho:

         “Nunca ande em comboio. Ambos se preocupam com dois carros quando um nesse transito já é difícil”.


         CAPÍLO IV

         Assumi meu carro, a Cherockee e o Carlos o Passate. Viajamos o resto da Dutra, entramos na Oswaldo Cruz até Ubatuba. Daí,  a Rio Santos até Patrimônio. Patrimônio, um pequeno povoado,  fica a 20 klms de Paraty. Nesse ponto tem início a estrada para Trindade com bifurcação para Vila Oratório, núcleo “dormitório” dos funcionários do Condomínio, nosso destino.
         — Pai- era o Carlos no rádio-Tudo bem ai?

         — Maravilha filho, estamos quase chegando. E essa sardinha em lata ai, como está?

         — No chacoalho a gente se ajeitou.

Ao descer a serra, numa das curvas, nova surpresa nos esperava. A estrada estava totalmente bloqueada. Um caminhão baú tinha tombado, esparramando pela pista dezenas de enormes caixas de som. Eu parei atrás de uma viatura da policia. Deixei o carro ligado por causa do ar condicionado. Desci. Lá fora, o suor escorria. Perguntei a um dos guardas “O que sucedeu?”

         — Sr. Roberto é um caminhão. É do DJ Ricardo Dias, o que vai fazer o som do réveillon - Percebi que o guarda me conhecia do Condomínio, até senti proteção.

         — Caramba, hoje não estou com sorte! Há pouco saímos de um engavetamento.

         — Sei, eu ouvi pelo rádio da viatura, e vejo curativo no seu braço. Feriu  muito?

         — Não... Saiu um tampão...

         O guincho está trabalhando, logo vamos liberar a estrada.

          Conversava com ele cegado, tal a luminosidade das luzes de advertência da viatura, piscando, embaralhando cores.

Liberada a pista, ufa! Fui o primeiro.

Oh viagem complicada!

Aliviado subi no carro. Mas,  com aquelas luzes na cara, não me dei conta o carro estava engatado, soltei o freio bati no carro da frente – era a própria viatura policial.

         A bruxa estava solta, e nos acompanhava.

         Um novo imbróglio.

         — Que foi, seu Roberto? Justo o senhor...

         — Sei lá... É hoje!

Feito a ocorrência o guarda facilitou minha saída deixando para depois o acerto do conserto.

         — Finalmente começava o fim esperado de um Velho Ano.
CAPÍTULO V
  
         Essa primeira noite antes de nos recolhermos, não faltou assunto, muitos deles sob luz de vela.

         Um inesperado blecaute, intermitente, pairou no Condomínio. A força de fora durante dois dias, não se entendia com os geradores auxiliares. Porém estávamos aturdidos, exaustos. Falavam-se assuntos até cômicos, como o lembrado pela Clara:

—  Roberto, o guarda seu conhecido, quando você bateu na viatura, saiu pulando... Pulando. Não aguentei, cai na gargalhada. A chamada gargalhada do medo.

         Dia seguinte finalmente tudo mais claro, um novo dia! Explorando lugares, novidades, uma prioridade não foi esquecida: Sair com a lancha, pesquisar o mar, pescar, esperar em alto mar o fantástico pôr do sol.

         Assim foi. Lá estávamos distantes da costa, fotógrafos ansiosos a postos. Anoitecia.

         Só que na precipitada saída de casa não foi avaliado o combustível, nem checaram os rádios! A lancha no deck fica tempo sem uso, apenas é feito alguns testes. Enfim, esqueceram o Chek-List de verificação obrigatória em toda saída, tal a vontade de espairecer.

         Lindo espetáculo! Mais dez minutos o sol atingiria o nível do mar! ... Só que ninguém esperava...

         Os motores morreram, acabou o combustível...

         —E o bote auxiliar? Walmir desça o bote.

—Valmir se encolheu... Avisou: O tanque esta com pouca gasolina,  não vai chegar ao Continente. Será mais um perdido.

                   — E daí?
                                      —... Foi  outra intrigada aventura.



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