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A dama das Camélias - José Vicente Jardim de Camargo




A Dama das Camélias       
José Vicente Jardim de Camargo



Corria o ano de 1907 na bela cidade do Rio de Janeiro, cuja elite se esforçava ao máximo para exalar o glamour da belle epoque parisiense.

Hugo Almeida, jovem estudante de direito, mais por imposição paterna do que por vontade própria, e assim poder continuar a receber a polpuda mesada que lhe propiciava noitadas regadas ao melhor champanhe, carteado de apostas proibitivas e de fogosos agarra-agarra com as polacas na casa de Madame Helene, aguardava impecável em seu fraque, confeccionado pelo mais renomado alfaiate da elite carioca, por Isabel e sua mãe.

Não podia crer que estava se esforçando tanto para por tudo que tinha de mais invejado e cobiçado por seus amigos, a perder.

Sim, mas o que fazer, senão entregar-se ao destino, pois desde que a vira pela primeira vez, sua vida se transformou em um tormento.

A brancura e o frescor daquela pele, o carmesim daqueles lábios sensuais e a graça do porte juvenil, infundiram-lhe à primeira vista, um amor platônico e sufocante, tirando-lhe a vontade de fazer tudo que lhe era de mais agradável na vida que curtia intensamente.

Há semanas não visitava mais a casa de Madame Helene e muito menos a Faculdade de Direito. Mal dormia, mal comia e seu humor, elogiado por todos pela sua finesse e sutileza, desaparecera. Seus amigos de carteado lhe mandavam recados insistentes, temendo perder as apostas elevadas, mas nem sempre  acompanhadas de jogadas astuciosas. Só pensava na volta do amigo Teodoro de uma viagem de negócios, pois fora com ele que a vira pela primeira vez.

Foi no teatro Municipal. Estava sentada na frisa da família em companhia da mãe, viúva de um rico comerciante português. Teodoro, companheiro fiel de noitadas e carteado, percebendo a inquietude do amigo, lhe acalma o espírito, informando-lhe que a conhecia desde criança, já que seu pai e o dela foram sócios em negócios de importação e exportação e que arranjaria um encontro para apresentá-la assim que retornasse da viagem de negócios, já agendada para o para o interior do Estado.

- Mas te previno amigo, que a mãe vira uma cascavel quando o assunto envolve a filha, único fruto do seu casamento com o comendador Sampaio. É exigente no aprumo dos pretendentes e mordaz nas armadilhas de palavreados, frases e situações que arma, na tentativa de rebaixá-los e mesmo de ridicularizá-los. Tudo, em prol de um ciúme doentio pela filha ou, segundo as más línguas, para não se ver despojada da maioria dos bens deixados pelo Comendador em nome da filha.

O martírio de Hugo enfim cessou, quando recebeu um bilhete de Teodoro informando-o que a Sra. Comendador Sampaio aceitara por sua intercessão, apresentar-lhe a filha no final da estréia da peça A Dama das Camélias no lobby do restaurante do teatro Municipal.

Era praxe nas noites de estréias, fazer a ceia no restaurante e, entre goles de champanhe, tecer comentários e críticas sobre a peça encenada, direção, cenografia, figurinos e a atuação dos artistas e mesmo encontrá-los entre os comensais para parabenizá-los e solicitar autógrafos.

Logicamente não faltavam os comentários maliciosos, entre cochichos e sorrisos disfarçados, das eventuais gafes e dos trajes mais audaciosos ou mais démodé do mulheril e do “quem está com quem” do lado masculino.
No final do bilhete, Teodoro lamentava não poder comparecer ao encontro por problemas de última hora surgido nas negociações e ser indispensável a prorrogação de sua estadia no interior. Mas, dado o desespero febril do amigo, achara por bem arranjar o encontro o mais breve possível e não postergá-lo até sua volta em data incerta.
Almeida sente o calafrio dos apaixonados ao ver prestada à sua frente Isabel e sua mãe.

Sr. Almeida, diz a mãe em tom de surpresa:

- Isabel deve estar desapontada, pois imaginava que o Sr. a iria recepcioná-la com um buque de camélias, após uma peça tão romântica e, naturalmente, deve ter conhecimento por parte de Teodoro, que é sua flor predileta.

Hugo, num lampejo de segundos pensa consigo – “desgraçado do Teodoro nada me disse e esta matrona já está mostrando as presas de cascavel”...Mas, dado a sua experiência boêmia e a volta repentina de seu humor acurado, contra ataca:

- Mil perdões Srta. Isabel se a decepcionei. Estou ciente sim por Teodoro da sua predileção pelas camélias, mas, preferi ser inovador, que, aliás, é uma característica da geração jovem deste inicio de século e presenteá-la, não com uma camélia de duração efêmera, de cor neutra e de perfume adocicado, mas sim com este cravo vermelho vivo que ouso tirar da lapela de meu peito inquieto, e, ...olhando-lhe nos olhos fixamente, completa :

 - de um aroma muito, muito penetrante.

Isabel, recebendo o cravo, ruboriza-se de imediato.

Sua mãe rosna um som indecifrável e de pronto intervém:

- Sr. Almeida, está na hora da ceia, por favor, conduza-nos à mesa.

Hugo, à frente, atravessa o salão em direção à mesa estrategicamente reservada por ele num canto menos visível do restaurante.

Os comensais, que miravam o trio passar, retinham mais a atenção, não na dupla feminina, mas sim no jovem da frente, nem tanto pelo seu porte esbelto, mas mais pelo sorriso discreto e contagiante que trazia abaixo daquele bigode milimetricamente aparado, como se, diriam os cavalheiros jogadores de pôquer, tivesse acabado de baixar à mesa, um “Royal Flush”, a seguida máxima de ouros...



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