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SAUDADES DO CARRO VELHO - Oswaldo Romano




SAUDADES DO CARRO VELHO
   Oswaldo Romano                                                                           
UM CONTO REAL
                                                
         Vou contar a história do último carro velho que foi meu. É curioso como a gente pega amor às coisas que nos pertenceram, mesmo feitas de frágeis folhas de latas velhas. O tempo cria essa afeição, esse apego guardado com carinho mesmo diante do novo recém conquistado. O carro velho esconde lembranças impossíveis de se esquecer. Foi novo. Nós também. A sua história escrita preenchia dezenas de folhas.

         Montado em cima de frágeis longarinas dobradas, a indústria nacional improvisava como podia. Sua lataria usava folhas tão finas, a ferrugem aparecia cedo para o entusiasmo dos funileiros.

         A grande ajuda nos remendos da lataria consistia numa providencial massa cinza, cujo mais importante ingrediente na composição era o óleo de bacalhau. Mantinha o produto úmido na embalagem feita de folhas de flandres. Sua consistência úmida cheirava muito, mas ajudava no deslize da aplicação.
         Quando o carro era comprado para o litoral, a carcaça já estava condenada.

         Certa noite, num fim de semana dos que passávamos no Guarujá, era sagrado nosso grupo, a maioria tenistas, depois do aperitivo oferecido por um dos moradores do edifício Tendas, sair para jantar, iniciando na sexta  o fim de semana.

         Escolhemos o Dalmo, famoso pelos frutos do mar. Ficava sob um imenso quiosque de sapé, longe, próximo das marinas, caminho das balsas de Bertioga. Restaurante de muitas histórias, comprometidos na cozinha entre diferentes casais cozinheiros, eram histórias recordadas na mesa. Nos primórdios, o fato curioso entre os fregueses atendidos, era lavar os próprios pratos para quem esperava, se não amigos, ficavam.

         As caldeiradas de mexilhões, a salada de palmito do mato desfiado al limone e vinho branco verde Calamares, aquele da primeira Região Demarcada pelo Marquês de Pombal, era só o começo. Alguns pratos recebiam nomes de badalados do pedaço. Eram pequenas alterações dos originais, pitadas de condimentos especiais ou flambagem a vista, com o renomado Conhac Courvoisier. Os peixes, crustáceos, risotos e no final uma grappa fechava a noite.

         Nem sempre. Nesse dia esta história teve continuidade. Quando na volta, acionando o velho carro emprestado do caseiro,  voltamos ouvindo o bater das suas folhas de lata velha, todas remendadas com massa  do folheiro. No caminho sentimos forte cheiro de pelos e borrachas queimadas. Provinha de fumaça que desprendia do motor, mas não suficiente para interromper nossa volta até em casa. Lá chegando, abrindo o capô, vimos um couro raspado entre as correias. Era parte do que sobrou de um gato afaimado.

         Desprezando-se o fato do motor ser quentinho, o que levaria o bichano a entrar num lugar tão difícil que o levou a morte?  

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