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Uma mentira rentável ! - Oswaldo Romano


UMA RENTÁVEL MENTIRA
Oswaldo Romano                            

         A vida no comércio nos revela fatos que antes de tudo é um aprendizado, e por que não, a comercialização nos diverte.

         Um conhecido pintor da Vila dos Remédios, estatura baixa, bem nutrido, era tido como um eficiente profissional. Apresentava um serviço limpo, bem feito e fazia questão de fornecer o material. Justificava essa exigência alegando comprar o melhor, e não se deixava enganar por vendedor que gosta de empurrar certos produtos. Sabia que nestes casos, o balconista pouco estava ligando pela qualidade, e sim de olho na propina oferecida pelo fabricante.

         Tinha razão e defendia-se da dificuldade de pintar com tintas de segunda linha. Além de dar um preço menor do que outros profissionais, fazia questão de esclarecer a marca do material que iria aplicar. Realmente convencia os proprietários.     Sua especialização era reformas em residências. Cumpria o que prometia recebendo elogios e recomendações.

         Como dono da loja, rapidamente tomei conhecimento das suas virtudes. Vendíamos muita, muita tinta, e ele um bom comprador. Tínhamos enormes pilhas de latas pelo centro dessa loja. Essa grande demonstração de materiais induzia os fregueses a comprar mais, aproveitando ofertas, diariamente anunciadas, que muitos compravam para serem usadas algum dia.

         Maicon, o pintor, com seu trabalho elogiado nos convencia qual o procedimento de um profissional disputado. Não bebia coisa quase impossível nos que trabalhavam com solventes, rás, pigmentos. Também não fumava. Seu trabalho era limpo.

         Suas qualidades e seu serviço elogiado, elogiado e disputado, era sempre o primeiro à ser recomendado quando procuravam. Eu mesmo cheguei a contratá-lo. O admirava,  porém todas as ocorrências que a direção via como “pra lá de Bagdá”, acompanhava, junto aos elogios uma reserva oculta de cuidados. Quando a mosca pica o comerciante, instala primeiro a desconfiança.

         Se todo milagre fosse verdadeiro, todos se instalariam  dentro das igrejas. Resolvemos coloca-lo no rol dos observados, junto com outros já marcados. Disfarçadamente foi distanciado de observações pelos nossos “olheiros” deixando-o mais solto nas suas visitas que eram praticamente diárias. Gozava de muita liberdade, dava orientações sobre pinturas aos atendentes à fregueses, discorria sobre vantagens. O gordinho ganhava até admiração às suas qualidades, levando-o a um caminhar pomposo, o chamado nariz levantado.

         Numa loja, a administração conversa com o freguês sorrindo, mas com os olhos varrendo todo ambiente. O subnutrido sabia disso, mas era experto.

         Corria o ano de 70 época que se ouvia falar da existência lá fora, das maravilhas oferecidas pela nova informática, mas entre nós era um mercado reservado, um crime ao desenvolvimento, proibido pelo governo ditatorial comandado pelos generais, criadores das Cape e Sei. Virávamos com o que tínhamos há séculos para controle de estoque.
         Você sabe o que é Kardex? Pois é, era o que havia de mais moderno para controle do estoque, nada mais que as velhas fichas. Dado ao seu moroso sistema,  só era usado para os produtos relevantes, os chamados caros, de vitrine.

         Mas o rato um dia cai na ratoeira porque desconhece quando está preparada.  Estava difícil desvendar o segredo do gordinho.  Mas que tinha, tinha, e a vigilância para descobrir já estava acionada.

         Ele era um inteligente mentiroso. Veja o que descobrimos da sua expertise. 
         Entrava na loja, caminhava entre as latas de tintas, parava, lia seus rótulos, escolhia dois galões e apresentava no balcão para o faturamento. A nota manual era emitida pelo vendedor, pagava-se no caixa, voltava no balcão, apanhava os dois galões e seguia pro seu serviço.

         Na hora do almoço, ou no dia seguinte, o que melhor lhe interessava, voltava na loja só com a nota fiscal, percorria entre as tintas, apanhava um galão,  dava um passeio entre elas, dirigia-se em um dos balcões e pedia que essa tinta fosse trocada por uma cor mais clara ou mais escura. Apresentando a nota de compra, prontamente era atendido pelo funcionário que autorizava trocar, e carimbava na nota “troca de mercadoria”.

                   E lá saia o gordinho apresentando o documento, com seu sorriso maroto, comum nos de sua dimensão. Fato que originou mudança do sistema. O nome Maicon, ficou sinônimo usado para qualquer um que por aparência ou conduta se diferenciasse.

         Quando o balconista sentia, ou conhecia um freguês figurinha, chamava um outro vendedor, alegando estar ocupado. Exemplo, chamava assim:

         — Cezar, por favor, você atende aqui o senhor Maicon?

         — Caso fosse contestado. — Não, não me chamo Maicon.
         — Confundi, desculpe.

A rede de lojas expandiu-se, chegando a ter mais de 1200 funcionários, arregimentados e transportados, principalmente da Vila e Vilas arredores, instruídos pelos mais experientes. O enigmático Maicon, que poderia ser José, Oswaldo ou Pafúncio,  tornou-se voz das ruas, conhecido e usado nos bares, vendas e praças. Tido ainda como modo singular de uma apresentação. Numa conversa entre amigos, chamando-o de Maicon..., Maicon..., servia também como sugerindo um muito esperto.

        

         

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