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Poirot - Uma nobre missão - Oswaldo Romano


POIROT – UMA NOBRE MISSÃO

OSWALDO ROMANO                                                           
                          UMA FICÇÃO COM MUITAS VERDADES

A empresa R.G.Dun, localizada em São Paulo, orgulhava-se de ocupar parte do Prédio Martinelli, o primeiro edifício e concorrido ponto turístico da cidade. Uma das suas curiosidades, a mais simples, tinha a calçada feita com tijolos de vidro, mostrando movimentos do seu sub-solo avançado por baixo do passeio.

 Do seu interior vendo os que passavam por cima via-se a imagem distorcida. Na calçada, alguns alçapões para recebimento de mercadorias! Mármores Carrara, o pinho de Riga da Estônia, trazido por naves portuguesas, vidros e espelhos Belga, sanitários ingleses, elevadores Suíços. Instalou-se no prédio com pompas, jornais, sindicatos, clubes como o Palestra e a Portuguesa. Quando em 1.931 Marconi visitou o Brasil, quis conhece-lo. Na viagem do Zeppelin à São Paulo, este deu uma volta em torno do prédio mostrando aos seus passageiros o mais luxuoso e alto da América do Sul.

A R.G.Dun, empresa de investigação, no seu quadro mantinha só agentes categorizados, responsáveis, apresentáveis, de cuja visão nada escapava.

Como nem tudo eram só flores, a crise que começou em 29 atingiu Martinelli levando-o a vender o imóvel em 34, para uma empresa patrícia, financiado pelo governo italiano. Logo mais, aproveitando-se das normas de guerra o governo brasileiro confiscou o edifício, cujo proprietário fazia parte da união chamada eixo. O escritor Oswald de Andrade, intitulou-o de – o bolo da noiva, - pelo destaque entre tantas construções baixas. A R.G.Dun e demais ocupantes, na deca de 50, sentindo o  abandono do edifício, transferiu-se para outro endereço e com ela seus agentes deixaram um rastro de nostalgia no  depredado, mas conhecido arranha céu.

Tristemente, seu abandono pelo governo, o transformou num enorme cortiço, coisa comum no nosso iludido Brasil.

Como iria acontecer, a degradação do prédio abriu passagem para a total invasão de bandidos, ladrões e campeou a mais desprezível prostituição. Da construção invejável, nada mais funcionava. Abriu-se uma fenda propícia a crimes de toda natureza. O mais sentido foi a morte do menino Davison, encontrado no fundo do poço do elevador, todo marcado, seviciado.

Poirot, o melhor detetive da G.Dun, sensibilizado assume a investigação. Por segurança não podia permanecer trabalhando a noite no prédio todos os dias. Sua presença assustaria ainda mais os dopados moradores já apavorados com a existência dos temíveis fantasmas. Flashes de câmera, nem pensar. Surgiam tantas almas penadas que lhes fora dado até nomes. O mais conhecido era o fantasmagórico Erik que quando descrito tinha semelhanças com o detetive Poirot. 

Poirot se reservava, gostava de ficar atrás de uma das pilastras de mármore da Toscana. Com sua câmera Nikon 5100, acoplada a super lente DX200 noturna, procurava gravar os zungus mais suspeitos. Havia horário da noite que nas escadas ou caminhando pelos corredores Poirot tinha que pular corpos, alguns em orgia, seminus. Os sóbrios, quando alguém anunciava “fantassssmaaa” na corrida se atropelavam, vestidos, ou nus.

Naturalmente desde o início Poirot anotava na sua agenda qualquer fato relevante, para desvendar o culpado do tão horrível crime.         Numa das noites, atrevendo-se um pouco mais, enveredou por um tétrico corredor procurando encontrar alguma coisa que pudesse ajuda-lo na busca. De luz, usava apenas seus fósforos. Não só iluminava como também, o cheiro exalado do enxofre disfarçava a fedentina existente. No fim do corredor ao acender um dos fósforos, escapa-lhe a caixa e querendo apanhá-la ainda no ar, bateu com uma das mãos, tirando-a do possível lugar da queda. No ímpeto abaixa-se para tentar apanhá-la, mas procurando no tacto, não a encontra.

Nesse momento, algo lhe toca a cabeça. Sente aquele conhecido arrepio na espinha.

Poirot, mesmo com toda sua vivência entre crimes, é humano, assusta-se, fica estático, se encolhe, só meche os olhos, tenta descobrir o que foi.

Vê um lençol branco em formato de homem com capuz, seguir pelo corredor. Vê também avoaçar esse pano, e em seguida sente o mesmo vento passar por ele. Um vento dos demônios. Frio, obriga-o fechar os olhos, instante que aquela visão terrível, desaparece na escuridão. Respira fundo, lentamente recompõem-se. Olha para cima, o preto da noite ficou mais preto. Levanta-se.

Treinado, nessa hora convenceu-se. Foi isso. Foi isso que levou o menino Davison cair no poço. Fugia no escuro da alma penada. Não foi jogado porque, reinava ali brutalidades vãs, um estupro era divertimento, tamanha promiscuidade não tinha peso sentimental para esses insignificantes fatos.

O detetive Poirot convencido deixou o Martinelli, mas levava consigo um sentimento, um vazio.


Usou seu prestígio, voltou à luta, movimentou políticos. Sensibilizou autoridades e convenceu o prefeito da cidade a tomar providências. Este, um dos bons, seu nome iniciava com a letra O. O de obsessão, de responsabilidade. Desapropriou da União o prédio, e restaurou o primeiro símbolo de São Paulo. *


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