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A FESTA DE SANTO ANTÔNIO - Oswaldo Romano



A FESTA DE SANTO ANTÔNIO
Oswaldo Romano
                                                                          
Na compra da fazenda não contava com o Saci.


         Na fazenda dei continuidade aos seus costumes. Foi preparada a festa de Santo Antônio para a noite de treze de junho. Começamos montando no topo do mastro a figura do santo casamenteiro. Fios com muitas bandeirolas foram esticados. Contratamos o sanfoneiro e sua mulher cantante. Pau de sebo, palhetas, cadeia, fogueira. Tudo preparado.

         Quando Casimiro, o sanfoneiro, abriu o fole da sua poderosa oito baixos e a Maria abiu a goela, foi o início da festança. Já rolava o quentão, o pessoal já se balançava.

No transcorrer da festa tínhamos combinado:

         Eu e meus filhos vestidos a caráter, reluzentes esporas de prata, a certa altura da alegria chegaríamos cavalgando, usando todos os apetrechos condizentes como quem volta vencedores de uma cavalhada. Os animais muito bem paramentados estavam com muitas correias, galões, fivelas, botões. O Pedro, nosso administrador foi quem preparou os cavalos na cocheira. No horário marcado fomos pra lá, local pouco iluminado, mas sempre luzes fracas ligadas com o propósito de espantar os morcegos da espécie hematófaga.

Com os cavalos em marcha cadenciada chegamos com galhardia, recebidos com foguetes e o chorado som da sanfona.

Um ou outro animal rinchava, mas todos se movimentavam com batidas do casco, estalando os pedregulhos que revestiam o chão.

         Acontece a grande surpresa! A Marta, escolhida delegada da festa, minha mulher, espantada perguntou:

         — Porque trançaram os rabos dos animais?

         Todos procuravam olhar o seu rabo. Todos os animais tinham tranças embaraçadas.

         — Vingança! Deus me livre... Falou o Pedro

         — Vingança de quem? Perguntei.

         — De quem não foi convidado.

         — Sim, mas quem?

         — Do Saci-Pererê. O pequeno moleque negrinho de uma perna só, com seu cachimbo e a magia do seu barrete vermelho, aparece, salta e arma essas ciladas. Ele tem comigo. Preciso acalmá-lo. Amanhã deixo na cocheira sua cachaça preferida.

         — Ele bebe, pai? Pergunta a minha menor.

         —Não filha...

         — Mas leva para sua mata, com ela cura seus ferimentos provocados pelos coices, completou o Pedro.

         — Pai disse o filho que a tudo assistia, fazendo-se de desentendido: Vamos tomar um quentão? Tá fraquinho, pai.

         — Muito bom! Vamos antes do Saci.

         Passaram-se uns dois meses, o filho mais velho o Thiago, tinha na cabeça a história do Saci-Pererê. Uma noite, começo da madrugada, Thiago já quando todos dormiam, perdeu o sono com os problemas da faculdade e resolveu tirar a limpo a existência do tal Saci que frequentava a cocheira.

         Aproximou-se com muito cuidado, escondendo-se quando percebido, atento na conduta dos cavalos. Mais atento e medo no possível encontro de dar de cara com o negrinho de uma perna só. Os animais estavam impacientes, nessa hora não queria nem pensar em encontrar o tal Saci.

         Era homem, e se o propósito era esse encheu-se de brio e com um pouco mais de coragem entrou vasculhando os arredores. Acariciou o seu cavalo, este rinchando de alegre, deu motivo aos outros rincharem várias vezes, enquanto as éguas bufavam. Com pouca luz, escuro mesmo, esforçava-se na procura do negrinho.

         Enquanto isso, lá na casa do capataz, Pedro que dormia ligado na fazenda, ouviu apreensivo o alarde dos animais. Apanhou sua dois canos, meteu os cartuchos, encapotou-se, e disse a  mulher: Vou fazer uma diligência. Os animais estão fora do normal, perturbados.

         — Pedro cuidado, será que o saci voltou?

         — Acho que sim.

Nada de lanterna, esta poderia denunciá-lo.

         Escuro como estava e não querendo ser visto chegou cautelosamente e postou-se atrás da coluna de sustentação. Ao movimento dos cavalos viu uma silhueta, só poderia ser ele, o Saci. Hoje podia provar sua existência. Logo pensou em mandar-lhe bala. Aparecia de lampejo e sumia entre os animais, tão fraca era a luz, e a visão muito prejudicada pela poeira levantada, quase uma neblina.

         Cônscio da responsabilidade do cargo ponderou que se atirasse poderia ferir algum cavalo. Mesmo assim decidiu, apontou o trabuco, mirando a cabeça do perneta. Sentia segurança, ia atirar. Repensando iria arrumar uma encrenca dos diabos na hora, e depois, caso matasse o molequinho. E a mão de obra e alvoroço que ia dar? Admitiu orgulhoso, até ficaria famoso. Depois seria odiado pelas crianças, talvez por todos. Agora comprovava sua existência, a não ser estar delirando e vendo fantasma. Estava convicto ser ele, o Saci em carne e osso. Os animais continuavam inquietos. Tudo que se ouvia era esparsamente o pio agoureiro do corujão aninhado por ali.

Falam que o saci é muito misterioso! Quem iria acreditar? E o estampido do tiro? Esse calibre doze acordaria todos os peões da fazenda. E daí? Cumpria sua obrigação. De novo a cabeça do neguinho ficou na mira! Ia atirar. Nesse momento um animal iniciou aquele longo rincho, intermitente, chorado. Pedro aceitou como um aviso. Sofreria depois o peso da culpa. Abaixou sua arma, voltando indeciso para casa.

         O Thiago há tempos na cocheira, mantendo o maior silêncio, já descrente, acabou regressando, escondendo o fato do pai, que não permitia saírem a noite.

         À noitinha depois do jantar, os homens juntavam-se e entre outras coisas, queimavam conversa fiada. O capataz estava ansioso pra contar o acontecido.

Muito entusiasmado começou falando da sua aventura. Citava toda hora o Saci, e sua figura vagueando entre os animais.

         — Puxa! O senhor teve muita coragem, - e conta prá nois, como ele é?

         — Bem... Pula, muito arisco, mas vi, ele gosta dos cavalos!. Do pasto vinha neblina  e se misturava com o pó, prejudicava a vista.

         — Escuro, várias vezes levantei a espingarda, apontei, alisei, pensei... pensei como seria depois.
Acho que tive juízo, não atirei! Poderia ferir algum animal e faria essa besteira só pra mostrar pro seis um montinho de gente, uma coisa, sei lá...

         — Você não ia ver nada, Pedro, - eu disse. Certamente um animal sairia ferido. Ele não, ele é uma lenda, uma ilusão criada para divertir o povo, as crianças. Para você entender...  Um rolo de fumaça!

         — Dotor, e as crinas e rabos trançados no dia da festa?

         — É verdade, disse um peão. Inté eu já fiquei de zóio. Vamo ficá quieto num fala nada, prás muié não arvoroçá.

         — Acreditem na minha fala. A coisa foi muito séria, até arrepio senti, confirmou.

— Então perguntei: — Ele falava alguma coisa, Pedro?

         — Não doto. Um silêncio absoluto, muitas vezes um respiro mais forte de cavalo quebrava aquele sossego.

         O Pedro sentiu-se molestado porque não queriam acreditar. Devia ter metido bala. Estava magoado, mas era um chefe, não se injuriou, ofereceu a saideira da pinga, quando o Zé brincando disse:

— Saúde gente! Deus me livre do Saci do cumpadre Pedro.

             Esta água-benta vai me benze!

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