RITO DE PASSAGEM
Suzana da Cunha Lima
Ontem fui ao Parque Vila Lobos. Tarde
linda, ensolarada.
A praça chinesa, estava repleta de
crianças, com seus saquinhos de pipoca, chilreando como pássaros livres. Outras
se detinham em redor de uma espécie de piscina que tinha se formado após um
temporal. Grande dúvida! Entro aí ou
não? O apelo da água naquele dia quente foi maior e muitas se aventuraram a se
banhar nela.
Criança
arrisca, se diverte com pequenas coisas, pensei. Acho que deveríamos
fazer o mesmo.
Sentei-me num banco a apreciar o movimento
das pessoas, o pensamento longe. Tempo
que eu estava dando para mim, de
reflexão, encantamento e gratidão pelos rumos que minha vida tomara, quando o
amor me atropelara ali mesmo, naquele Parque, anos atrás..
E ao pensar nisso, subitamente, eu estava
lá, moça e bonita, andando de bicicleta a sentir o perfume delicado do arvoredo
em flor. Até hoje, este perfume me lembra o homem que me levou a partilhar o
mesmo caminho e a mesma história, que dividimos até hoje. Pois foi lá que o vi,
pela primeira vez. Sentado em frente ao lago, tão jovem e ao mesmo tempo tão
velho... Dedilhava um violão e cantava baixinho, algo muito inspirado porque
acompanhava a cantoria dos pardais.
Achei-o tão belo e a cena tão linda, que me distrai e acabei levando um
tombo.
Ele devia também estar me olhando, porque
veio correndo me ajudar a levantar.
Ao senti-lo tão próximo, meu coração
começou a bater depressa, como se eu fosse adolescente outra vez. Esqueci o cansaço e a renúncia aos sonhos
diante de meu casamento falido, e que tinha extinguido a chama da esperança de
encontrar o amor, o amor como eu o imaginava.
Era um tempo que eu havia deixado para trás, sem saudade nenhuma, mas
nada colocara no seu lugar. Vivia um espaço vazio.
Sentamos num banco e conversamos tanto que
nem sentimos a proximidade do temporal, aquelas tempestades de verão que nos
pegam de surpresa, como o sentimento que estava a aflorar no meu coração. Só
deu tempo de corrermos para a primeira marquise, já de mãos dadas e lá
continuamos nossa prosa. A chuva parou e fomos brindados com um imenso
arco-íris.
Eu não sabia que, naquele instante, eu
estava cumprindo uma espécie de rito de passagem: deixara para traz minhas
tolas certezas, uma vida estéril sem nenhum sentido, uma estrada sem flores que
não levava a canto algum.
Estava dando um salto no escuro, à busca de algo novo e
poderoso que me fizesse sentir outra vez o doce sabor da felicidade.
E assim
voltamos para casa, pisando leve na calçada molhada, como se nossos pés
fossem plumas e o amor, ainda nascendo, nos conduzisse pelo ar.
Nunca me arrependi.
SUZANA DA CUNHA LIMA
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