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JEITO DE DIZER - poesias de - JEREMIAS MOREIRA



Jerê


Para homenagear  nossos amigos, que mesmo não frequentando o EscreViver, afinaram com a escrita e prosseguem na lida literária.

Aqui temos algumas poesias criadas por Jeremias Moreira, trabalho que ele vem realizando para dizer aos colegas que ele está na ativa. Além das poesias ele tem um livro de contos que acabou de ser publicado. 


JEITO DE DIZER 

Jeremias Moreira



SOMBRAS E FLORES


UMA SOMBRA ALCANÇOU MINHA VIDA,

NESTES TEMPOS EM QUE O TEMPO CESSOU.

VIVO A PERCORRER

CAMPOS DE FLORES,

SEM PODER TOCÁ-LAS

E ME ASSEMELHO

AO LEITO DE UM RIO SECO,

QUE ANSEIA POR CHUVAS.


NO QUE ACONTECE

NÃO HÁ ACASO.

A ESCURIDÃO,

POR CERTO,

É OBRA MINHA.

QUE DESCONHEÇO

O SEGREDO DA CHUVA

E CAREÇO DE JEITO

AO LIDAR COM FLORES.




AUSÊNCIA NÃO SENTIDA

O rei não veio...

A cidade se preparou toda.

Uma a uma as casinhas se enfeitaram.

A de amarelo, astuciosa, deixou manchas.

Eram manchas alaranjadas, mais escuras,

que faziam as mais claras brilharem mais.

A de azul usou um tom profundo,

tal qual ao do manto da Virgem

do altar da capela.

A capela, com a mistura

das duas tintas, ficou verde.

Era um verde de doer na vista

mas, de alegrar a alma.

E o rei não veio...

Então, eles ficaram com a de lilás,

que parecia jambolão,

quando a molecada esmaga com os pés.

Lilás, se consegue na mistura

do azul com vermelho.

Vermelho usou o casarão da esquina.

Ficou igual aos pagodes da China.

Os batentes ficaram pretos.

E o rei não veio...,

Também, ele só ia passar...

A cadeia, caiada de branco,

acenava para um tácito acordo de paz:

nenhum delito, nenhuma detenção.

A cidade era a rua, e lembrava

as colchas que faz Dona Nena,

que escolhe os retalhos de mais cor.

A alegria das fachadas contagiou a vila

e penetrou noite adentro.

Nos quartos, pintou

a cor do desejo

e nunca as molas das patentes

rangeram tanto.

Na rua, a lua brilhou mais

e a madrugada teve mais serenatas.

E o rei não veio...

Que pena, não sabe o que perdeu!



UM DIA A MENOS

AS RETAS PERFEITAS,

DAS GOTAS DA CHUVA,

DESENHAM NO ESPAÇO,

RISCOS CRISTALINOS.


AS RODAS LIGEIRAS,

COM AGUADO RUÍDO,

DOS CARROS QUE PASSAM,

RESPINGAM

ÁGUA BARRENTA

ACUMULADA NAS POÇAS.


NO PASSEIO,

A LAMA INVADE,

COM EXTREMO CUIDADO,

O TRAÇO APAGADO

DA AMARELINHA.


A BONECA DE PANO,

ESQUECIDA NUM CANTO,

IGNORA O QUE PASSA.

NO MEIO DA RUA,

A BOLA DE MEIA

MEIO ENCHARCADA.


O CONGA RASGADO,

DE MUITA PELADA,

QUE VAI NA ENCHURADA.

SEGUE O BARQUINHO.

DOBRADURA IMPERFEITA,

DA CRIANÇA EM RETIRO,

QUE, COM OLHOS MIÚDOS,

NA JANELA EMBAÇADA,

OBSERVA VEXADA

O DIA PERDIDO!



DRAMA MECÂNICO

POR UMA SIMPLES

ROSCA IMPERFEITA,

O ÓLEO DO CARTE,

VAZOU INTERINHO

E FERROU A BIELA,

DO CARRO VERMELHO.


COM O HUMOR ALTERADO,

A SERETONINA ESCASSA,

A VISTA CANSADA,

QUASE SEM FOCO,

E A RAZÃO AFETADA,

O VELHO ALENCAR

NÃO PERCEBEU,

QUE ERA FERIADO

E FOI TRABALHAR.


DO TERRAÇO VAZIO

A CIDADE LÁ EMBAIXO,

ASSIM A DISTÂNCIA,

PARECIA BONITA,

ERA ATÉ ATRAENTE!

PARECIA UM CONVITE,

QUE DEPOIS DE UM VACILO,

ALENCAR ACEITOU.


O CORPO VELHO,

DO VELHO ALENCAR

PERCORREU O ESPAÇO,

DE DOZE ANDARES,

A DUZENTOS POR HORA.

BATEU CONTRA O TETO

DO CARRO VERMELHO,

QUE JUSTO ALI,

A BIELA PIFOU.



A MULHER DO ALFAIATE


O DORSO COMPACTO,

COM GOSTO CARNUDO

DE MANGA ROSA,

DA MULHER DO ALFAIATE,

DESLOCA-SE GRACIOSO

COM LUCHO GATICA,

MUI CALIENTE,

EM ALTO VOLUME.


NO COLO BRONZEADO

DA MULHER DO ALFAIATE,

COMO MAÇÃS PROIBIDAS,

OS SEIOS ARFAM

NO RITMO DA MÚSICA.

LEVANDO À LOUCURA

OLHOS ABELHUDOS

DE SORRATEIROS PIVETES.


AGORA, É BIENVENIDO GRANDA

COM SUA VOZ LAMENTOSA,

QUEM EMBALA A DANÇA:

NO UM PRÁ LÁ, DOIS PRÁ CÁ.

E, COMO O SUBLIME

SABOR DO PÊSSEGO,

O CORPO AVELUDADO

DA MULHER DO ALFAIATE

INCORPORA O LAMENTO.


MAS, QUANDO GREGÓRIO BARRIOS

OCUPAVA A VITROLA,

O CORPO LÂNGUIDO

DA MULHER DO ALFAIATE

EXALAVA ABSOLUTA SENSUALIDADE!

É, COMO ESTIVÉSSEMOS,

NUMA CEIA ROMANA,

SORVENDO, GULOSAMENTE,

UVAS TINTAS SERVIDAS NOS LÁBIOS.


A DANÇA LASCIVA,

COM SENSUAL SABOR

DE CASSÍS COM PAPAIA,

NAQUELE VERÃO,

ALIMENTOU A FANTASIA

DA PATOTA DA RUA,

QUE SONHAVA, CADA UM,

SER O AMANTE SECRETO

DA MULHER DO ALFAIATE.