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CAMPAINHA DA CASA DE HEITOR. - MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO.

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CAMPAINHA DA CASA DE HEITOR.
MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO.


A campainha toca sem parar. Heitor demora pra acordar, reluta na cama. A noite parece não ter acabado. O tocar é insistente, contínuo. Que chatice, murmura reclamando. Essa gente não respeita o descanso dos outros? Difícil tirar a cabeça dos travesseiros.  Ai, o cheiro dos cabelos da Marcela paraíso que frequento de vez em quando. Levanta-se e se espreguiça. Já vou, já vou. Ia, mas era aos tropeções pelo corredor que dá pra escada devido às alpargatas que fazem vezes de chinelo insistirem em sair dos pés. Outra vez, forçou calça-las.  Agora o mindinho se enrosca e o impede de andar mais rápido. Diabo, que se dane, seja lá quem for. Vou sem. Não titubeou, chutou longe uma delas e por pouco não caiu no ato ao segurar o calção que se enroscou nas pernas. E se caísse o calção? Ora, nada aconteceria. Só estou eu, ninguém mais e além de tudo se houvesse mais alguém iria ver o que já conhece. Não seria novidade.

As chaves, onde estão essas malditas chaves? Calma, murmura, não afoba. Olha, dá os pulinhos pro Santo. Qual? Aquele. Não sei quem. Isso lá é hora? Encontrar as chaves, o resto não interessa. Não encontro as chaves, ouviu bem? Um momento! Para de tocar a campainha, por favor.

As chaves, as chaves, cadê as chaves? Malditas, aqui, ó, aqui. Tinham que se esconder atrás do pé da cadeira? Não são elas, desgraçadas, essas são do Flip. Madona santa, onde estão as da porta? Chave mestra, dá a luz! Anda, anda. Achei. E isso lá é lugar pra ficar? Se escondendo do que, suas chatas? Caramba, socos na porta! Putz, quem será? Bem que a Lulu disse pra colocar um “olho de gato”. É pra essas horas. Já poderia saber quem é. Teimoso, agora aguenta a campainha e o vizinho que depois vai reclamar do barulho, velho chato, magricela de uma ova.

- Como é, vai abrir? Anda logo com isso ou tá se borrando?

Papagaio, o Nico namorado da Marcela. Vai dar bode e dos grandes. O negócio é dizer que não encontro as chaves e ver o que dá.

- Não encontro as chaves. O que Você quer? Aconteceu alguma coisa ruim?

- Sim, não encontro a Marcela. Achei que tava com você, seu cachorrão.  Já vi que não, mas hoje ela vai tomar chá, isso vai.

E lá se foi o Nico.


Ela volta logo mais à noitinha.

Querido, traga o jantar! - Angela Barros


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Querido, traga o jantar!
Angela Barros

        Ainda era cedo, por volta das sete horas da manhã, de uma sexta-feira, quando Fernanda acorda, passa a mão pela cama e percebe que Ricardo, seu namorado, não está. Por que será que ele não me esperou? Pula da cama, põe a roupa de corrida. Aperta o botão do elevador que parece demorar uma eternidade para chegar. Ainda no elevador, calça o tênis, abre o aplicativo runkeeper, ajusta para uma corrida de 10 quilômetros e sai correndo para o Parque Villa Lobos que fica ao lado do seu prédio. É lá que os dois treinam todas segundas, quartas e sextas, religiosamente, faça sol ou chuva.

        Chegando lá precisa decidir para que lado ir “se ele foi pela direita e eu também for, nunca vou conseguir encontrá-lo”. Decide ir pelo lado esquerdo, geralmente é por  esse lado que ele vai, dessa maneira vamos nos cruzar em algum momento.

        Uma volta completa, nada. Duas voltas, nada. Na terceira volta decide entrar na trilha do bosque, é raro mas as vezes passam por lá. Tropeça numa pedra, quase cai. O suor já escorre pelo rosto se misturando com as lágrimas. Raios de sol que começam a aparecer e passam através das árvores batem direto nos seus olhos, na correria esqueceu os óculos e a viseira cegando a corredora. Quando volta a enxergar, não acredita no que vê. É o Ricardo ali? Fernanda para, tenta, mas não consegue se mover, está paralisada

        Depois de segundos que pareceram uma eternidade, ela se recompõe, corre até uma árvore e se esconde. E assim, ela o espreita por trás da árvore. Safado! Quem é  aquelazinha? Seu impulso é correr para desmascarar o sem vergonha mas não o faz. Dá meia volta e correndo o mais rápido que pode volta para o apartamento, toma um banho rápido se veste e vai trabalhar.

        O celular tocou o dia inteiro, era Ricardo, ela ignorou, a raiva era grande, precisava se acalmar, decidir o que iria fazer. Afinal, gostava demais daquele safado. Não conseguia se concentrar no trabalho. Marina sua sócia perguntava o que tinha acontecido, está doente? Por que está tão calada? Não é nada, respondia. Estou de TPM só isso. Mas sua cabeça estava a mil, uma pergunta girava na  mente: o que faço,  meu Deus?

        Até que no final do dia, resolveu. Vou me vingar desse desgraçado que ajudei de todas as maneiras quando o conheci. Estava desempregado, acionei meus amigos e arrumei emprego para ele. Morava de favor na casa de um amigo, levei o safado para meu apartamento. Dei casa, comida, roupa lavada e o que ganhei em troca? Traição.

        Finalmente às dezenove horas, quando mais uma vez toca o celular, é mais uma chamada do Ricardo. Alô querido, desculpe,  o dia foi uma loucura simplesmente não conseguia atender nenhuma ligação hoje. Lembra o caso de divórcio dos Ferreira, finalmente eles fizeram um acordo, caso encerrado. Você pode passar naquele restaurante japonês que a gente adora e levar o jantar? Combinado!

        Fernanda vai correndo para casa. Chegando lá, tira todas as roupas do namorado do armário, muitas roupas que ela tinha comprado para o safado. Pega uma tesoura, corta em tiras uma após outra, calças, camisas, paletós, até as cuecas recebem tesouradas raivosas, que são colocadas num saco de lixo e jogadas da janela para a rua. Isso feito, liga para o namorado.


        Para variar espera vários toques até que o traidor atende. "Ricardinho, querido, não precisa trazer o jantar, pode levar para a fulaninha que estava com você no parque hoje. Quando quiser passe na frente do prédio e pegue suas coisas, vai ser fácil encontrar. Ah, mais uma coisa, não precisa se preocupar em devolver as chaves, já mandei trocar as fechaduras. Safado! Nunca mais apareça na minha frente!".

O QUE ACONTECEU? - Ledice Pereira

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O QUE ACONTECEU?
Ledice Pereira


Intimidada, embora relutante, levantei os braços. Um capuz cobriu minha cabeça e escureceu parcialmente meus olhos. O estampido atroz me sacudiu quando a arma de fogo disparou sangrando meu vestido na altura do peito.

Era o que eu via passar como se fosse um filme, deitada naquele quarto todo branco.

Não sei há quanto tempo estaria estava ali. Estava meio tonta, braço imobilizado, cheio de tubos que me ligavam àquelas bolsas penduradas.

Olhava tudo sem conseguir raciocinar. Avistava rostos que me olhavam e não conseguia identificá-los através do vidro que nos separava.

Um homem de branco adentrou vindo em minha direção e perguntou como eu me sentia.

─ Não sei ─ O que aconteceu?

Ele, com cuidado, explicou que eu estava ali há vinte e poucos dias. Tinha sido vítima de um assalto e precisara ser submetida a uma operação delicada para retirada da bala, que se alojara próxima ao coração. Agora estava fora de perigo, mas precisaria permanecer mais uns dias na UTI.

Parecia estar sonhando. Sentia-me fraca. Mal conseguia conversar.

Aos poucos passei a distinguir os rostos de meu marido e de meus filhos, que, daquela janela, me olhavam ansiosos por um reconhecimento.

Sorri para eles.

O que eu pensava ser um filme, na verdade, era um momento que eu vivera como protagonista.

Estranha sensação!

Acho que se tivesse morrido, não teria sequer percebido.

Agradeci a Deus por estar viva e poder voltar para a minha família.

Apesar de separada por aquela vidraça podia sentir que me mandavam forças e energias positivas.


Eu tinha saído dessa!

Armadilhas do inverno - Ises de Almeida Abrahamsohn

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Armadilhas do inverno
Ises de Almeida Abrahamsohn

Medeiros já saíra de casa atrasado para pegar o trem para Berlim. Naquele frio, o motor do carro demorou a funcionar. Guiava mais rápido do que de costume naquela manhã lúgubre de janeiro. Era o pior mês do ano. O frio de rachar fazia as poças d´água na estrada congelar e, de repente, você não conseguia controlar o carro. Mas ele era experiente e conhecia bem a rodovia. Sabia que logo adiante haveria uma curva acentuada para a direita. Reduziu para começar a acelerar ao entrar na curva.  Foi quando avistou, postada no meio da pista, alguém de casaco vermelho agitando os braços. Pisou no freio:

  Que espécie de idiota fica assim no meio da estrada!  Quer ser atropelada?

Pisou de novo.... Foi quando o carro deslizou incontrolado para a esquerda. Sentiu o estômago se contrair...  Resistiu à tentação de frear, sabia ser inútil, e agarrou o volante. Rodopiou pensando apenas em não atingir a idiota de casaco vermelho.  Finalmente o veículo parou.  Medeiros passou a mão pela testa molhada de suor: Cadê a moça meu Deus onde estará debaixo do carro claro que não acalme-se cara não houve nenhuma pancada teria ouvido se a tivesse atingido....  Levantou a cabeça e fixou o olhar na estrada. Deu-se conta que o carro girara 180 graus.

Foi quando pelo espelho viu o casaco vermelho de pé no monte de neve acumulado no acostamento. Uma onda de alívio percorre-lhe o corpo. Piscou os faróis e manobrou o carro. A garota se aproximou da janela:

Que susto, hein?

Me dá uma carona até a estação?

Medeiros ia largá-la lá, mas ficou com pena... Sabe-se lá quando passaria outro carro naquele dia inóspito e congelante.

Apenas grunhiu:

Sim, entre, também vou para lá.


Viagem à Cádiz - Angela Barros


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Viagem à Cádiz
Angela Barros

        O sol estava a pino naquele momento do dia e o ar condicionado do carro tinha pifado logo no início da viagem, que aliás seria longa. O suor pingava do seu rosto, a camisa colada no corpo estava deixando-o cada vez mais mal humorado e ainda tinha pela frente cerca de cinco horas até chegar em Cádiz.

        Para percorrer o trajeto entre Madri e Cádiz, nesse época do ano, ele sabia que deveria ter saído mais cedo de casa, mas dormira mal, acordou tarde e a cama estava tão gostosa quando despertou que decidiu aproveitar aqueles momentos preguiçosamente, afinal não tinha hora marcada para chegar. Agora se arrependia até o último fio de cabelo.

        Ligou o rádio tentando desviar o pensamento do calor. Afinal o motivo da viagem valia a pena, sua filha Ana, finalmente depois de vários relacionamentos frustados, conheceu Carlos, o homem que a levaria para o altar e estava grávida do seu primeiro neto. Ana, sapeca, da pá virada, mais para menino de tanto que chutava a barriga da mãe nos últimos meses da gravidez,  apressada para sair para o mundo. Agora parecia que estava pronta para assumir a responsabilidade de uma vida tranquila, familiar, pelos menos era o que dizia.

        Além disso, no final das fatídicas horas ao volante estaria de volta a sua querida Cádiz, pequena cidade da Andaluzia, no sul da Espanha, considerada a mais antiga da Europa Ocidental, com sua costa ensolarada, praias de areia fina e branca.      

        Naquele ponto a estrada fazia uma curva acentuada para a direita, foi quando Medeiros teve que pisar no freio ao ver uma jovem mulher acenando desesperadamente para ele. Apertou tão forte o freio que o carro derrapou quase acertando a  grade de proteção que separava o pequeno acostamento do penhasco. Os olhos se arregalam, o coração acelera. Meu Deus, o que essa louca está fazendo? O sangue espanhol subiu às ventas, desceu do carro e foi em direção da mulher aos berros. Você sabe que eu poderia ter lhe atropelado? Mais ainda, poderíamos estar os dois mortos agora! Sua louca!

        Dolores pediu mil desculpas, já tinha pedido ajuda para vários carros que simplesmente a ignoraram. Sabia que tinha arriscado suas vidas mas não podia continuar ali, não aguentava mais o color que fazia, o cansaço, estava a ponto de desmaiar, precisava de ajuda. Por favor, não fique bravo. Você pode, por favor, me dar uma carona até Cádiz?

        Medeiros, dava voltas ao redor do carro, olhava para o penhasco, para a mulher, enxugava o suor que insistia em escorrer. A vontade era esganar a dita cuja. Ela por sua vez, exaurida, sentada no chão com as lágrimas escorrendo no rosto, paralisada esperava. Mais calmo ele percebe que não tem outra alternativa a não ser ajudar a louca.

        Depois de dirigir por uma hora de cara amarrada Medeiros decide puxar papo com a mulher e perguntar o que tinha acontecido. Dolores, meio sem graça conta que tinha se recusada a seguir viagem com o namorado depois dela ter encontrado no porta luvas do carro dele uma calcinha e ele ter a cara de pau de falar que não sabia como ela tinha ido parar ali. Ele pensa que sou idiota?

        Medeiros não diz nada, apenas observa da cabeça aos pés a mulher ao seu lado. Longos cabelos pretos, pele queimada do sol, cativantes olhos cor de mel, mingnon, do jeito que ele gosta.

        Ela diz que está indo para Cádiz, cidade que não conhece, para o casamento de uma aluna muito querida. Ela quer muito que eu conheça o pai dela que está separado há alguns anos e acha que ele tem tudo a ver comigo, pois está aposentado e adora  viajar de bicicleta pela Europa como eu. O casamento será na Igreja Divino Salvador, amanhã.

- Como chama sua amiga, pergunta Medeiros.

- Ana, responde Dolores.

- Você não vai acreditar, Ana é minha filha!

AQUELE SORRISO - Ledice Pereira

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AQUELE SORRISO
Ledice Pereira

Só mesmo no cabeleireiro eu conseguia ver revistas. As gentis atendentes colocavam várias à minha disposição e eu, para passar o tempo, as folheava, me detendo aqui e ali, em assuntos que mais me chamavam a atenção. Em geral, achava tudo tão supérfluo e sem a menor importância. Na verdade, há muito não tinha muita paciência para lê-las.

No salão, entretanto, as horas custavam a passar e eu não levava livros porque não conseguiria me concentrar já que as meninas, a cada segundo, me ofereciam água, café, suco, tentando ser agradáveis e conversando muito comigo.

Estava ali há quase duas horas e folheara quase tudo que me trouxeram Restava apenas uma. Sem óculos peguei-a distraída e parei.

A capa da revista estampava o rosto dele com pele de verão e sorriso de galã. Ainda me encantava sua imagem.

Senti meu coração disparar. Estava ainda mais bonito, se é que era possível. Fazia uns dez anos que eu não o via. Desde que se mudara para os Estados Unidos para seguir a carreira de modelo.

Eu era apaixonada por ele e jamais esqueci aquela noite em que ele me comunicou que embarcaria no dia seguinte para seguir seu sonho.

Nem cogitou de que eu o acompanhasse,  mesmo que uns meses depois, até que se estabelecesse. Não. Simplesmente se despediu como se eu nunca fizesse parte de seus planos.

Fiquei ali incrédula, com o coração partido em pedaços. Quando o conheci, julgava ter encontrado o amor verdadeiro. Pensava nele o dia todo. Aguardava ansiosa o momento de encontrá-lo.

 Ele era encantador. Lindo, charmoso, divertido. Gostava de dançar, de ir ao cinema, de cozinhar quitutes deliciosos. Apreciava um bom vinho. Tinha tudo que uma mulher pode desejar em um homem.

Custei a me refazer do golpe sofrido. Não me interessava por mais ninguém. Comparava todos que eu conhecia com aquele que foi o meu maior amor.

A revista trazia uma longa reportagem em que ele falava da carreira de modelo e contava que estava vivendo o seu melhor momento profissional e pessoal, encontrara seu verdadeiro amor, Johnny.


A foto dos dois não deixava dúvidas.

O prodigioso circo de Paulínia - Ises de Almeida Abrahamsohn


Agostinho Batista de Freitas, Circo Piolim no vão do MASP, 1972, acervo MASP, doação Marta e Paulo Kuczynski, 2016

O prodigioso circo de Paulínia
Ises de Almeida Abrahamsohn

I - O menino que sonhava com o circo

Agostinho falou pela primeira vez do circo para seu irmão Júlio, dois anos mais jovem. Descreveu em detalhe os palhaços, a moça que cavalgava em pé e um carrossel. Enfim, todas as  atrações que circos do interior costumam  ter.  Mas, insistiu o menino, o circo só era visível à noite quando a pacata cidadezinha de Paulínia adormecia. Paulínia  na década de 1940 era rural. Havia pouca diversão e as crianças desde cedo ajudavam nas tarefas do campo ou das chácaras.

Júlio, apesar de ter apenas oito anos olhou-o desconfiado.  Sabia que um circo havia visitado a cidade há cerca de um ano porque as marcas da grande tenda ainda eram visíveis no terreno baldio atrás da chácara do Seu Kazuo.  Entretanto, que ele soubesse, nem ele nem Agostinho tinham assistido ao espetáculo. Tanto era o entusiasmo das descrições, que Júlio resolveu acompanhar o irmão nas excursões noturnas. Pelas ruas desertas chegaram ao extremo da cidade. Munido de um lampião, Agostinho descrevia o espetáculo que via acontecer no centro da arena de terra batida. Mas Júlio nada via além do facho de luz que se movia frenético na noite. O irmão não se conformava que ele não enxergasse as mesmas cenas. Júlio bem quem tentou, mas nada via além de pedras, terra e algum mato rasteiro; logo desistiu de acompanhar o irmão.

Na escola a professora notara mudanças no comportamento de Agostinho. Estava sempre sonolento e passava as aulas a desenhar, sempre cenas de circo.  Perguntado, nada dizia aos adultos. Apenas alguns colegas ouviam as histórias do circo que o menino dizia existir no terreno baldio. Desconfiados, mas curiosos, reuniam-se à noite e, em grupo,  iam verificar  o circo de Agostinho.  Os colegas riam e zombavam, mas este, em seu delírio, julgava que estivessem aplaudindo as atrações que descrevia.

̶  Olha lá, o leão vai saltar e atravessar o anel de fogo! Beleza, lá vai ele.... Pulou, é incrível! Aí vêm os trapezistas, a moça é linda, senhores! Palmas para ela! O rapaz vai tentar segurar a garota no salto! Balançou e segurou! Desta vez, conseguiu!  Senhores,  foi por um triz...

Com o tempo, os meninos da classe foram se empolgando com as saídas noturnas. Traziam lampiões que faziam bailados luminosos no picadeiro enquanto Agostinho  descrevia as atrações  que se sucediam no espetáculo imaginário. A cada apresentação, novas e inéditas atrações eram narradas pelo menino.

Agostinho cada vez mais se alheava na escola.  Só desenhava  e parou de fazer as lições. A professora da escola rural conseguiu que ele contasse as visitas noturnas ao circo. Os pais foram aconselhados a consultar um médico em Campinas. Este, bastante experiente,  considerou que o menino tinha uma fértil imaginação que exprimia pelas visões noturnas .  Ao saber que ele desenhava, sugeriu que  alguém incentivasse esse talento. Isso foi feito na escolinha mesmo, com a dedicada professora que lhe arrumou  uma caixa de lápis de cor, papel e algumas aquarelas baratas.


Mas Agostinho logo percebeu  que os colegas passaram também a se interessar pelos desenhos. Pediam emprestados os lápis de cor e perguntavam se podiam ajudá-lo a colorir os desenhos das cenas de seu fictício e maravilhoso  circo. 



Título : Circo Artista : Agostinho Batista de Freitas (1927-1997) Ano : 1973. 

Técnica : Óleo sobre Tela Dim. : 50 x 70 cm



II - De como o circo chegou à  Paulínia

Num período de dois meses o imaginário de Agostinho havia se espalhado por todos os meninos da classe.  Quando a professora ouviu a descrição do circo noturno ouviu também do menino  o argumento  de que os outros da classe também compartilhavam suas visões.

Cada um foi interrogado individualmente. Alguns realmente acreditavam ter visto as cenas narradas pelo colega enquanto outros diziam que iam às reuniões pelo espírito de aventura, mas nunca  viram nada de especial na alegada área do circo.  Divertiam-se bastante e todos confirmaram que tinham visto os desenhos de Agostinho  e gostariam também de poder desenhar e pintar.

Os pais foram chamados e  a professora explicou as ocorrências e como os meninos sentiam falta de alguma diversão na pequena cidade e na escolinha de poucos recursos.  Ao relatar o conselho do médico ao Agostinho,  contou que a criançada também  queria ter a oportunidade de trabalhar com desenhos e cores .

Ela sugeria que algumas salas e o corredor pudessem ser pintados pelos alunos em cores alegres e não naquele cinza desanimado de repartição pública. Mas  precisavam das tintas. Os olhares se voltaram para o Seu Januário, o comerciante de tintas da localidade que não teve coragem de recusar. Afinal, uns três galões de base e uns quartinhos de cores alegres e mais as trinchas não sairiam caro. Além do mais, o oferecimento simpático poderia lhe angariar novos fregueses.

A meninada ficou assanhadíssima.  Fizeram desenhos de cenas de circo em papel e, com a ajuda da professora,  passaram  os contornos para as paredes.  O corredor foi pintado, e cada uma das quatro salas de aula teve uma parede decorada.  Com cuidado, Agostinho e  os colegas, visionários ou não, preencheram com cores brilhantes as formas e figuras.  Ao final, assinaram seus nomes  próximo ao rodapé. O circo tomou conta da escola.

Agostinho curou-se das visões e se tornou um respeitado artista plástico, mas nunca perdeu sua atração pelo circo. Cenas de circo figuram entre  suas obras.


O POBRETÃO E O CIRCO - Maria Luiza Malina


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O POBRETÃO E O CIRCO
Maria Luiza Malina

A espera de novidade na pequena vila era o que preenchia a praça da igreja após a reza do terço. Dois ônibus: um que chegava com poucos turistas eu outro que saia transportando jovens para a faculdade na cidade vizinha. No depois, tudo se acalmava com as luzes das casas se apagando uma a uma. Um lugar parado.

Era nesse meio de tempo, ao som ardido das cigarras, que o Pobretão tinha seu espaço. Assim conhecido por não saber seu próprio nome; vivia de favores em troca de pequenos serviços; no entanto era muito estimado e confiável em seus prováveis 17 a 19 anos.

Certa noite não apareceu. O silêncio tornou-se assustador. No raiar do dia, um cheiro de café coado percorria casa por casa, acompanhado do mugir das inquietas vacas leiteiras, o Pobretão deu sua nota de aparição gritando aos quatro cantos, acompanhado do bimbalhar do sino da igreja anunciando seis horas da manhã:

- O circo chegou, acordem todos! O circo chegou. Acordem! – Seguia pela rua central marchando, batendo bumbo, batendo palmas. Ria e apontava a quem se aventurasse a abrir a porta ou janela, convidando:

- Venha, siga a bailarina e se transforme em borboleta. Cuidado com o palhaço, ele é o ladrão de coração... To to toró to tototó... E a marcha continuava festiva.

Ao final da tarde, como de costume todos lá estavam reunidos na praça para ouvir e comentar as novidades do Pobretão. Lá vinha ele prosa e feliz como ele só!

- Vamos todos para o circo, venham ver os malabaristas, é de graça O circo está montado perto da lagoa. O leão fica solto...  - Não é preciso dizer que a praça se esvaziou num minuto e, insistia amedrontando com histórias de flautas e cobras encantadas - Venham conhecer os mistérios do lago!

A notícia correu de boca em boca pela região. Uns chegavam assustados outros, um tanto desconfiados com o tal circo junto com a história de ciganos que roubam crianças. Turistas chegavam à região para piqueniques e, enquanto aguardavam o circo aparecer, contavam casos uns aos outros, ao som ruidoso das crianças. Os finais de semana passaram a ter outra conotação – o deslumbramento que aquele espaço proporcionava. Conversavam mais entre si e seus pensamentos soltos imaginavam o quanto seria interessante ter um circo naquele local abandonado, com um leão rugindo, um cavalo dançarino, um mágico com um coelho na cartola. Enfim, com tantas idéias o domingo terminava e todos voltavam para suas casas felizes esperando o próximo fim de semana.


EMPREENDEDORISMO ESPONTÂNEO


A pequena vila de agricultura familiar aos poucos se modificava. Os habitantes conseguiam sentir o efeito benéfico que as conversas do circo proporcionavam. Idéias tomaram vulto precioso. Sem perceber ou aprender uns se tornaram empreendedores com a venda de produtos caseiros, outros transformavam em realidade as fantasias criadas nas conversas.

Enfim um movimento diferente chegou aos ouvidos do prefeito que, só se preocupava em se reeleger. Nos finais de semana, o destino era a Capital, precisava fazer bonito. Quando se deu conta a própria população estabelecia regras de boa convivência na praça da Igreja.

Não teve dúvidas. Percebeu que o Pobretão era uma espécie de encantador do povo, quer dizer carismático e, ofereceu um emprego na prefeitura, com a incumbência que zelar pela região do lago, aumentando em muito as histórias. As pessoas se acostumaram a ouvir aventuras de circo, não lhes importava mais se eram reais ou não, vivenciavam o momento vestindo-se como tal.

Deu certo. Um dia, uma surpresa! O prefeito reeleito trouxe para a vila um circo de verdade, foi o maior espetáculo da terra. Os olhos dos moradores faiscavam. Boquiabertos constataram que era tal e qual a imaginação descrita pelo Pobretão nas contadorias da praça. Triunfante ele seguia à frente do cortejo anunciando a chegada do circo com a criançada a sua volta, seguidos da fanfarra e de toda a parafernália que parecia ser maior do que a própria vila.

Com uma surpresa destas o local sofreu rápidas transformações ao acolher tantas pessoas sem a devida estrutura. As famílias ofereciam refeições, as carroças decoradas eram usadas apenas para dormir e adivinhações das cartomantes. As cartomantes sempre vaidosas, gananciosas e curiosas. Sobre elas o Pobretão nada  havia contado. O sucesso logo se fez notar, junto com as desavenças criadas nas consultas.

A vila se modificava aos poucos. O Pobretão sequer foi lembrado pelos habitantes envoltos na real beleza circense. No dia da estréia – que tanto anunciava em suas chamadas – “é GRÁTIS, venham todos!” – foi pisoteado. Socorrido por um jovem aprendiz de mágico que cuidava da entrada, este o levou para a carroça onde os artistas se preparavam. Recebeu um bom banho na tina e o vestiram com a capa de mágico. Aparentavam a mesma idade.

O dono do circo, ao ser avisado de um novo mágico em seu circo, não tardou em conhecê-lo. Homem rígido, de poucas palavras exigia muito dos artistas, cujo pagamento incerto dependia da bilheteria.

Ao ser apresentado ao Pobretão, sequer levantou os olhos, apenas ouviu a voz ao perguntar seu nome – “Pobretão” – foi o que ouviu. Julgando estar sendo vítima de deboche, rápido desenrolou o chicote. O aprendiz de mágico reteve sua mão no ar berrando pela primeira vez – “Não lhe ponha a mão, ele é o meu irmão, seu filho desaparecido no acidente do desfiladeiro. Soubemos que é um andarilho contador de histórias sobre circo, que levou o povo deste lugarejo a sonhar e acreditar nas suas histórias, muitos conseguiam visualizar um circo que não exista. Meu pai  aceite-o como ele está, embora desfigurado a sua voz é igual a de mamãe.”

Ele se lembrou do tempo que era um trapezista e sua amada confiava que seus braços a sustentariam no ar. Chorou. O chamou pelo nome – “Paulinho, Paulinho”. O encontro modificou a família circense. O circo se tardou acampado mais do esperado pela prefeitura. O movimento cresceu e todos prosperaram.


A vila teve muitas histórias para contar antes de se transformar na Cidade dos Milagres.  Os frequentadores da pracinha, sem a ilusão do circo que fazia com que seus olhos brilhassem tristes ficaram sem nada ver. Imploravam por um contador de histórias.

CONTA GOTAS - Maria Luiza Malina


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CONTA GOTAS
Maria Luiza Malina

Hoje olho para trás e vejo o quanto me foi difícil passar os dias na desesperança de um contato diário com um filho ou outro, sem que houvesse alguma conotação de fofoca. Por muitas vezes eu incitava, não nego, queria saber como ele estava sobrevivendo sem as paparicações  transformadas em chatices como ele mesmo dizia.

Chega um dia em que somos descartadas ou, melhor dizendo, dia a dia somos descartadas sem percebermos que isto está acontecendo, ou não melhor dizendo, não aceitamos que isto pode estar acontecendo à conta gotas.

Sentia aos poucos, não nego, certo afastamento pela falta de diálogo e implicância; os filhos crescendo e eu os defendendo; os filhos se formando e eu os defendendo, os filhos fazendo suas escolhas e eu os defendendo; os filhos se casando e eu não mais os defendendo.

Cada um por si. Foi assim que tudo aconteceu. Cada um por si. Fiquei só. Cada um por si. Academia dança suor e cerveja – não me levaram a nada. Eu precisava reencontrar a mim mesma. Ah! Yoga. Não, nada estava em ordem. Ajuda médica. Sim, foi o início de uma desintoxicação familiar.

Retornei ao caminho das praias. Apanhei conchas desusadas, montei novos quadros dando-lhes uma nova utilidade. Compreendi no descarte o poder da vida contida e não aproveitada. Aproveitei. Revivi. Vivi na sabedoria das conchas, tendo a certeza de que encontraria a praia certa para descansar.

Venci. Hoje não olho para trás.

Alegria, alegria! - José Vicente J. de Camargo


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Alegria, Alegria
José Vicente J. de Camargo


A praça fervia sob sol a pino. Os passantes apressados só tinham vista para um lugar vago nas sombras das árvores e debaixo dos toldos das lojas ao redor. Na mente, a visão de uma água bem gelada, um suco natural refrescante ou um dos famosos sorvetes da Sorveteria Italiana. Nesse cenário abafado e pingando suor, um grito solo rasga o ar vibrando os tímpanos de quem lá está:

Atenção, Atenção, Senhores e Senhoras! A alegria chegou em São Simão! Não deixem de participar hoje às 20 horas da grande première do Circo Andrade montado no campinho da várzea. Famoso em todo o Brasil e nos países vizinhos. Espetacular show com seu elenco deslumbrante de palhaços, bailarinas, acrobatas, mágicos acompanhados de leões, tigres, elefantes, cães amestrados sob a batuta de reconhecidos adestradores e dos acordes da banda do maestro Mazuca exclusiva do Circo Andrade.  Não percam essa oportunidade única. Levem seus filhos, netos, e passem uma noite inesquecível. Daqui a instantes iniciará o desfile desse magistral elenco pelas ruas de São Simão, saudando e convidando o distinto público para a performance dessa e das demais noites...”

Aquela voz alta e rouca atraia a atenção de todos que se refaziam do calor abrasador nas sombras disponíveis:

- Quem será? Cochichavam entre si uns e se entreolhavam indagadores outros.

- Será que tomou muito sol e está divagando?

Alguns desses semblantes curiosos passaram a mostrar um sorriso zombeteiro, outros um semblante preocupado pressentindo – apesar da boa aparência do indivíduo -  sinais de uma demência precoce ou de um transtorno psíquico.

No entanto ninguém ousou aproximar-se do gritador, perguntar se sentia-se bem, se precisava de alguma coisa, um copo de água talvez.

E ele, já chamado por uns de louco, desmiolado, invadia o trânsito gesticulando, voltava à praça, levantava os braços e com gritos cada vez mais altos, reiniciava a ladainha:

- “ Alegria, Alegria o Circo Andrade chegou. Daqui a pouco majestoso desfile dos figurantes pelas ruas...”


Aos poucos as pessoas ao entorno começaram a diminuir os passos, a olhar curiosos para a avenida principal que ao largo da praça, como se estivessem aguardando algo chegar ...


PARTE 2


O calor infernal parecia não afetar o pobre coitado que continuava a gritar a chegada do Circo Andrade cidade:

“Atenção Senhoras e Senhores, a Alegria chegou a São Simão!” Daqui a pouco majestoso desfile do elenco internacional de artistas, das feras exóticas de vários continentes e da banda de música do maestro Mazurca, agradecendo a hospitalidade do distinto público e convidando-o para a première desta noite as 20:00 hrs nas confortáveis dependências do Circo Andrade, armado no campinho da várzea. Reserve o seu lugar, camarotes para famílias a preços promocionais. Não percam esta oportunidade de assistir um grande show circense já consagrado em várias capitais do país e de países limítrofes”.

O sujeito já estava ali desde a manhã anunciando a chegada do circo, o desfile dos figurantes e dos bichos amestrados e o convite para a estreia da noite. De vez em quando fazia uma pausa, ia até a fonte da praça – representando a Diana Caçadora - bebia a água que jorrava do chafariz, mergulhava a cabeça no laguinho formado ao redor da estátua e reiniciava aos gritos e com gestos espalhafatosos, mas sempre educados, a ladainha do circo. Vez ou outra se aproximava das pessoas e com um olhar vago e distante fazia o convite do show da noite como se fosse ele o anfitrião. Nestas ocasiões, alguns dos presentes davam um passo atrás, evitando um eventual contato, enquanto outros acenavam positivamente suas intenções de comparecerem e já iam se posicionando junto a guia da calçada da Avenida Principal por onde deveria passar o desfile dos artistas e dos felinos, atração nunca dantes vista pela pacata São Simão.

O anuncio da chegada do circo já era o assunto mais comentado entre as pessoas que circulavam pela praça e dos frequentadores e funcionários do comercio local, principalmente da Sorveteria Italiana – muito procurada nesses dias quentes pelo famoso sorvete de poupa de fruta natural, e da Cafeteria e Confeitaria do Porto – de tradicional família portuguesa -  líder de preferência do cafezinho expresso, dos doces de ovos – dentre estes o incomparável pastel de Belém -  e dos biscoitos amanteigados.

Mãe! Olha o palhaço na perna de pau. Tá acenando para nós...

Onde meu filho? Não vejo nada...

Ele apareceu e se escondeu atrás da árvore, aquela grandona na esquina do jardim...

Ah! Também vi! E ele carrega um macaquinho nos ombros. - diz um sujeito ao lado com ar de sitiante pelas botas enlameadas e o chapéu de palha de abas largas...

E não é que esse “trem” vem mesmo desfilar? Se intromete um terceiro na conversa palitando os dentes e de cigarro de palha preso na orelha. Esforçando um pouquinho da até pra ouvir a tal da banda tocando...

E também os rugidos das feras enjauladas. Isso sim eu não vou perder por nada. - replica um funcionário da limpeza pública de vassoura e pá na mão...

Esses murmúrios, cochichos de “será que é”, ou “vem ou não vem” vai se alastrando, tomando corpo –  sob os gritos, agora já roucos, do sujeito da ladainha “Alegria, Alegria, o circo vem aí” como uma onda se alastrando de cabeça em cabeça, procurando sinais de concordância ou discordância entre as pessoas que se entreolham e, em número cada vez maior, convergem seus olhares para a Avenida Principal, que já tem suas calçadas praticamente tomadas por impacientes espectadores à espera do espetáculo que a imaginação já considera imperdível.

Das janelas e terraços das casas, rostos sorridentes aparecem transmitindo uma alegria convincente aos ainda duvidosos cidadãos que vêm também crianças e adolescentes carregando cadeiras e almofadas ajudando idosos a encontrarem um lugar privilegiado. Ouve casais enamorados marcarem encontro na porta do circo e moças casadoiras trocarem ideias sobre qual vestido usar na première da noite...

Assim a cidade inteira se torna uma bolha de fantasia. A alegria anunciada aos brados por um pobre coitado, considerado por muitos - que ora esticam a cabeça para ter uma melhor visão -     como desmiolado, se torna uma realidade contagiante. O próprio “pobre coitado”, satisfeito, cessou sua ladainha gritante, surpreso e sem muito compreender o motivo de tal aglomeração.

Ao longe se se ouvem rojões. O povo se agita e se comprime ao longo da Avenida e das ruas ao redor da praça. Se ouvem aplausos e gritos de “bis,bis”. Gritinhos de horror se misturam aos rugidos das feras e ao estalar dos chicotes...

Na manhã seguinte, o jornal da cidade estampa editorial em primeira página sobre a aglomeração e a alegria da população com a passagem do Circo Andrade: “maior que nos dias de folia carnavalesca...”

Interessante é que não estampa nenhuma foto do “esplendido espetáculo”...