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ROTEIROS PARA TEATRO

Aleppo - Suzana da Cunha Lima



ALEPPO

Uma criança assustada
Dos escombros  retirada.
Coberta de pó a sangrar,
É numa cadeira sentada
E ninguém vai  lhe explicar
Porque lhe dói tanto o corpo
O que escorre pelo  rosto
E onde está sua mãe
O seu mundo, e o seu chão
Ninguém a abraça e afaga
Para  acalmar seu coração
Ninguém limpa seu rostinho
Ou  lhe embala com carinho
E ela se queda ali,  tão sozinha,
Gravada e fotografada
 Para  mídia internacional
Para páginas de jornal
Para as redes sociais
E agora que é notícia
Vai ser digerida, e cuspida
Quando não for notícia mais.


FIM

Omran Daqneesh, mais uma pequena vítima da barbárie da guerra. Na luta pela cidade síria de Aleppo, o grupo comandado por Bashar Assad (apoiado pela Rússia e Irã) costuma jogar artefatos mortais, barris cheios de gasolina, explosivos e metal, com o fim de causar o máximo de vítimas entre a população civil.

Em 17 de agosto deste ano, uma destas bombas  atingiu e destruiu a casa desta criança. Por milagre ,ele, seus três irmãos e seus pais salvaram-se.


CONCURSOS LITERÁRIOS VIGENTES

Veja abaixo alguns concursos que estão com inscrições abertas. Mande seu texto. Participe.

Clicar no link para ler o regulamento.

1.
27 concurso de contos - TOLEDANO - Contos
Inscrições somente até dia 31 de agosto
Prêmio em dinheiro


2.
Prêmios literários da Fundação Biblioteca Nacional
http://www.bn.br/sites/default/files/documentos/editais/2016/0727-edital-publico-premios-literarios-fundacao-biblioteca//edital_premio_bn_2016.pdf


3.
Concursos Literários do Centro de Escritores Lourencianos - Prosa e Poesia - edição 2016
http://celliteraturaemsaolourencodosul.blogspot.com.br/2016/08/concursos-literarios-do-centro-de.html


4. III CONCURSO BUNKYO DE CONTOS - Prêmio em dinheiro
http://www.bunkyo.org.br/pt-BR/noticias/154-2016/981-literatura-2016-pt


5. CONCURSO DE CRÔNICA NO MUSEU DO IPIRANGA
http://mp.usp.br/sites/default/files/anexos/chamadas/1o_concurso_de_cronicas_do_museu_paulista.pdf



6.
XXVIII CONCURSO DE POESIA - ALAP 
http://falandodetrova.com.br/alap2016



A CIDADE SEM CAIXA ELETRÔNICO* - Jeremias Moreira


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A CIDADE SEM CAIXA ELETRÔNICO*
Jeremias Moreira

Saiu nos jornais que os bancos da minha cidade desabilitariam seus caixas eletrônicos. Fui dominado por uma onda de contentamento e orgulho, senti como se a notícia falasse sobre mim. E não podia ser diferente, pois eu atuara nas ações que motivaram tudo isso.

Certo dia o Boca de Sapo e o Serelepe me convidaram para uma treta. Eles iam explodir os caixas eletrônicos de dois bancos. Precisavam de alguém que dirigisse rápido. Bem, modéstia a parte, atrás de um volante eu sou um corisco, faço o carro voar. Apesar disso, falei:

− Cêis tão maluco! Os meganhas não vão sussegá enquanto não metê a mão na gente!

− Que nada! Vão pensá que é bandido de fora. Quadrilha organizada, experiente!

No começo vacilei, mas depois de muita insistência deles, me convenci.

Topei e foi assim que me meti nessa. Imediatamente partimos pra ação.

Naquela noite explodimos os dois caixas. O do banco da praça e o do que fica na Rua do Comércio.

No dia seguinte a notícia saiu na primeira página do jornal da cidade e em outros da capital. Boca de Sapo sabe das coisas! Assim como previra as notícias diziam que as explosões eram obras de “quadrilha bem organizada”. Mal sabiam que três gatos pingados, da periferia local, que fizeram o serviço.

Bem, o segredo era deixar a grana guardada e não sair dando bandeira. Foi o que combinamos. Mexer na bufunfa, só depois de um bom tempo!

Os bancos repararam os estragos, consertaram tudo e na semana seguinte os caixas estavam lá, como se nada tivesse acontecido. Aí que entrou a genialidade do Boca.

— Tem que ser hoje! Ninguém espera outro lance tão cedo. O negócio é pegá todo mundo de calça na mão!

E assim foi. Nessa mesma noite estouramos os caixas de quatro bancos. O maior bizú, foi um perereco, saiu no rádio, nos jornais, até na televisão. Virou a notícia mais comentada. A população cobrava mais ação da polícia, do prefeito, das autoridades. Exigiam maior segurança.

E, foi aí que os bancos decidiram que não mais teriam caixas eletrônicos por aqui. Quem quisesse retirar dinheiro teria que ir à cidade mais próxima, que tem efetivo policial maior e dá mais segurança à população.

Para decidir o que fazer ante a nova situação nos reunimos. Boca de Sapo, sempre com sua sabedoria, vaticinou:

— Claro que a gente pode ficar de butuca, na marcação de quem utiliza os caixas eletrônicos. Quando eles forem retirar dinheiro na outra cidade, a gente espera pela volta deles, na estrada, e assalta. Porém, tem uma coisa,  tirar a erva do banco é diferente de render o Zeca Padeiro, a dona Zizinha, da Loja Popular ou o Juca da Farmácia e tirar o dinheiro deles. A gente é bandido, mas tirar do povo é demais, né!

Eu e o Serelepe demos razão a ele. Então, acordamos em dar um tempo.

Talvez, pesquisar e entender como era a vigilância na cidade maior e dar o golpe lá.

Por outro lado, com nossa grana no sossego, só de saber que tinha alguma reserva a gente sentia certa tranquilidade. O Boca até pensou em aplicar nesse tal de CDB, que dizem ser um bom negócio, mas aí poderia ser muito bandeiroso. Então, o melhor era deixar quieto. Foi o que combinamos!

O problema foi o Serelepe - cujo apelido é pura ironia porque o sujeito é o maior lerdo - que resolveu ser rápido justo agora. Sentiu cosquinha na mão, se antecipou, saiu gastando feito sheik das arábias. Acendeu o neon e os alcaguetas, que estavam antenados, sacaram na hora.

Não deu outra, baixou a cana! Artigo157!  

E aqui estou eu, vendo tudo isso acontecer de trás das grades.


*Manchete do caderno “Cotidiano”, do jornal Folha de São Paulo, sábado, dia 27/08/2016, “APÓS ATAQUES, BANCOS FECHAM CAIXAS, E CLIENTES VIAJAM PARA SACAR DINHEIRO”.


OS FILHOS DO VENTRÍLOQUO. - Sergio Dalla Vecchia


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OS FILHOS DO VENTRÍLOQUO.
Sergio Dalla Vecchia

O casal passeava tranquilamente pelos gramados do Hyde Park em Londres com o filho Peter. Era um domingo ensolarado e os 2,5km2 de lagos e vegetação podiam ser vistos nitidamente por turistas que sobrevoavam o local.

A esquina do orador, local marcante reservado para quem quisesse se manifestar, estava repleto de pessoas. Elas ouviam um efusivo orador sobre a situação da paz mundial.

Peter caminhava junto aos pais e vez em quando se aventurava a avançar alguns metros, mas logo recuava. Era um menino tímido e de pouca conversa. Tinha uma ligação muito forte com o pai. Não desgrudava dele!

O pai o levara algumas vezes ao museu de cera da Madame Tussards. Lá ele ficava maravilhado com a perfeição dos modelos de cera, dos astros famosos e da família real. Mas o que mais gostava era a sala dos horrores, torturas e modelos ensanguentados!

A família era sustentada pelos cachês que o pai recebia fazendo apresentações de ventríloquo com o seu inseparável boneco.

Certo dia, Peter pediu ao pai para acompanhá-lo nas apresentações. Ele concordou e daí em diante sempre estavam juntos.

No iniciou era novidade. Ficava na coxia enquanto o pai apresentava-se no palco, sentado com um menino boneco em uma das pernas, com quem mantinha um diálogo de perguntas e respostas. O público achava graça e ria muito!

Ele gostava tanto que conseguiu ser aproveitado no espetáculo. Seu pai ficava com o boneco em uma perna e ele na outra. Assim manteriam um triálogo.

Foi maquiado tal qual o boneco para que parecessem irmãos. Fizeram alguns ensaios e o resultado foi surpreendente.

Assim o trio ficou conhecido por toda Londres e também Europa.

Os espetáculos aconteciam com casa lotada e ao final, aplausos e mais aplausos. Um sucesso!

Estavam tão afinados que por vezes o pai confundia o Peter com o boneco e vice-versa!

Mas com o tempo o triálogo foi se tornado áspero, principalmente entre os dois “bonecos. Perguntas irritantes, respostas contundentes, parecia haver uma rivalidade entre os dois

Peter tinha pesadelos com o pai, pondo em dúvida a sua paternidade.

Passava pela sua cabeça que não era ele o filho legitimo e sim o boneco, tamanho vínculo que ao pai tinha com ele. O ciúme o corroía.

Por vezes olhava para o boneco e tinha a nítida impressão que ele o estava provocando. O clima emocional entre os três não estava nada bom, eram brigas, discussões e ofensas a todo instante.

Voltaram à Londres após uma turnê em Paris e chegaram em casa.

Peter sentou-se no sofá com o boneco ao lado para assistirem a um filme de Alfred Hitchcock intitulado os pássaros.

O pai tomou um banho e foi para o quarto dormir. Estava exausto.

Os dois “meninos” continuavam a assistir ao filme, não perdiam nenhuma cena.

Os pássaros atacando as pessoas, as bicadas, os gritos e os dois em êxtase!

Do nada, Peter olhou para o boneco com um olhar assustador, levantou-se e saiu da sala. Após um tempo ele retornou e deparou-se com uma cena horrível. O boneco estava esquartejado com pedaços espalhados pela sala, pernas para um lado, braços para outro e sua cabeça no chão olhava com aqueles grandes olhos de boneco que pareciam dizer alguma coisa. Peter em desespero saiu em disparada para o quarto do pai, abriu a porta e deu um grito de pavor. Seu pai estava morto sobre a cama com uma faca espetada no peito. O sangue ainda corria pela cama e pelo chão exalando o cheiro característico da morte!

Peter em estado de choque, sentou-se num canto com o olhar fixo no nada!

O pavor era total!

E naquele momento de fragilidade ouviu uma voz suave dizer:

—  Peter, onde está você?

Aquela voz quase inaudível ativou sua memória e reconheceu a voz de sua mãe!

— Filho, filho querido, até que enfim você voltou! Já não aguentava mais de saudades. Ninguém mais roubará você de mim!  Agora que o seu pai e aquele maldito boneco estão mortos, venha embora com a mamãe! Venha, vamos logo!


Mãe e filho sumiram e a Scotland Yard nunca os encontrou!!


O SORRISO DO ADEUS - Ledice Pereira

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O SORRISO DO ADEUS
Ledice Pereira

Eles foram chegando aos poucos e em grupos. Não tinham ideia do que iriam encontrar. Os prognósticos não eram os melhores. Tudo parecia indicar que teriam que enfrentar vários fantasmas.

A imprensa alardeava que enfrentariam doenças, assaltos e desconforto.

O medo do desconhecido os acompanhava.

E veio a abertura dos Jogos Olímpicos. Organizada e, apesar de simples, tocante.

Cada grupo encontrou-se alojado, ainda que, inicialmente, houvesse alguns problemas.

Todos concentrados tinham o mesmo objetivo: vencer.

Assim, cada atleta esforçou-se para dar o seu melhor.

Algumas equipes mostraram-se superiores. Vieram preparadas.

Alguns, atletas solitários, procuravam vencer a ansiedade e o adversário.

Vieram as primeiras medalhas.

Os cinco continentes uniam-se na emoção, nas lágrimas, no amor à sua bandeira e ao seu hino.

Foram quinze dias nos quais o que se viu foi superação.

As críticas foram aos poucos substituídas pelo elogio.

Tudo foi dando certo.

Com um saldo positivo, chegou-se ao final com uma festa que mostrou  ao mundo que esta terra verde e amarela, além de ser cordial, tem muita alegria para dar.


Aqueles grupos, que haviam chegado cheios de medo, voltavam para seus países levando, além de medalhas, o sorriso do adeus.

MEU CAMINHO PARA BUDA - Carlos Cedano

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MEU CAMINHO PARA BUDA
Carlos Cedano

Meu nome é Aki Naoie, tenho trinta e quatro anos e moro há mais de seis no Brasil. Faço parte de uma comunidade budista onde sou monja. Sempre me perguntam como se deu meu caminho para ser monja budista e sempre respondo que minha decisão foi tomada num momento de iluminação.

Na época que ocorreu morava em Tóquio e já me interessava pelo Xintoísmo e pelo Budismo, mas nunca pensei em ser monja, era professora de ensino fundamental numa escola perto de Tóquio. Sempre saía de casa muito cedo, gostava esperar a chegada das crianças e sentir a alegria delas, isso era como uma benção!

Num dia desses, úmido e coberto de nuvens negras, tive forte sensação de uma angústia que me oprimia o coração, algo me dizia que não seria um dia como os outros! Mas não sabia identificar o quê! Em quanto caminhava até a estação do trem percebia as pessoas irritadas, algo as afligia!

Cheguei à escola que ficava perto da estação e aproveitei para arrumar o material de ensino à espera dos alunos. Poucos minutos depois chegaram quase ao mesmo tempo e como todos os dias, alegres e brincalhonas e foram tomar seus lugares.

Iniciamos as lições, era maravilhoso observar a concentração e dedicação das crianças nas atividades propostas! Mas por volta das nove horas senti um pequeno estremecimento, não me preocupei, eles são frequentes no Japão, e os alunos continuaram suas atividades, acostumadas que estavam com esses pequenos tremores!

Passaram-se quarenta minutos e houve outro tremor seguido por outro mais forte, as crianças devidamente treinadas, foram em ordem sentar-se debaixo das mesas de trabalho. Na rua os cachorros latiam nervosos, sentiam que algo mais se aproximava e quase que imediatamente as estantes com os livros começaram a balançar, os lustres mexiam fortemente e logo nossa própria sala, felizmente feita de madeira leve, começou a tremer violentamente!

O problema com os tremores é que você sabe quando começam e nunca quando cessam, e quarenta e cinco segundos são uma “eternidade”. Minha principal preocupação era manter as crianças juntas, se se dispersassem seria certo que correriam perigo ou extravio no meio da confusão!

Corri pra debaixo das mesas e falei em voz alta: “Vamos rezar todos um mantra budista que é utilizado em caso de fortes emoções e perigos”. O mantra era “om” cujo som prolongado durante alguns segundos reverbera internamente levando à calma. Os meninos aprenderam rapidamente e continuaram usando-o em conjunto e com voz firme!

De tempo em tempo olhava pra fora pela janela e via casas caindo, acidentes de carro, pessoas correndo apavoradas e buscando refúgios que não existiam, lá fora era o caos! De repente, vejo uma criança, não deveria ter mais de cinco anos no meio da rua e chorando, com certeza perdida e quase sem pensar corri  até ela,  peguei-a no colo e voltei pra escola!

Nesse instante tomei a decisão de invocar a ajuda do Gautama para que mantivéssemos nossa calma e terminasse o terremoto. De fato, a calma voltou e todas nossas crianças salvas, um pouco assustadas é certo, mas ilesas!

Na porta aparece um senhor desesperado, era o pai da criança, viu o filho e correu pra ele chorando e se abraçaram ficando assim por alguns minutos, o pai falava continuamente de milagre enquanto eu e as crianças, em silencioso respeito, olhávamos a bela cena de amor e reencontro feliz!


Esses eventos me reafirmaram que a bondade de Buda tinha atendido minha súplica o que me decidiu a trilhar o caminho da religião Budista, com o tempo e antes de embarcar para o Brasil virei monja e adotei o nome de Aki Naoie.


CONFISSÕES DE UMA MÃE - Ledice Pereira

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CONFISSÕES DE UMA MÃE
Ledice Pereira

Quando viu aquele ser tão indefeso, que acabara de nascer, Celia se desesperou.

— Meu Deus, o que farei agora? Esse bichinho depende totalmente de mim.

Ao lhe ser trazido, já limpinho, para mamar, ela sentiu que ele era tão seu.

 O pequenino sugava-lhe o seio numa intimidade tal, que ela o amou de imediato.

E ela, que se achou tão impotente, sem fazer qualquer movimento brusco que pudesse despertá-lo, ajoelhou-se e rezou, pedindo forças para seguir sua jornada de mãe, que hora se iniciava.

CONTANDO OS MINUTOS - Sergio Dalla Vecchia


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CONTANDO OS MINUTOS
Sergio Dalla Vecchia

Minutos, sessenta são os tique-taques do relógio para o ponteiro completar uma simples hora!

Que podemos pensar sobre o tempo?

Ele continua o mesmo desde os relógios modestos de sol, até o mais moderno e preciso que funciona com átomos, com precisão de um segundo em um bilhão de anos!

Aprendemos por uma equação simples da física que o espaço é igual a velocidade multiplicada pelo tempo (s= v.t). Daí se tira o valor do tempo ficando igual ao espaço dividido pela velocidade (t=s/v).

Por outro lado, a história nos diz que a velocidade do transporte e da comunicação aumentaram de forma espetacular nos últimos séculos. Passamos da época do cavalo (15km/h) até a atual do avião a jato (900km/h). Não estou me referindo aos puros sangues de corrida e nem aos caças supersônicos que atingem maiores velocidades!

Também os meios de comunicação deram um salto descomunal, desde o mensageiro a pé (10km/h) até as ondas eletromagnéticas descobertas pelo escocês Mawell que são a base da comunicação via rádio/TV e transmitidas próxima a velocidade da luz (≈300.000km/s)!

Portanto tudo na vida se alcança rapidamente, perguntas têm respostas imediatas e com direito a imagem ao vivo! É tudo explícito!

Todo esse conjunto fez com que as distancias ficassem cada vez mais curtas em relação ao tempo e o mundo ficou pequeno para comportar tantas ideologias, crenças e governos dos mais variados!

Quanto mais juntos os povos, mais conflitos surgem, guerras sem fim e o êxodo da população sofrida em busca de terras novas e quando as alcançam sofrem uma rejeição desumana. E essas terras, até então politicamente calmas, também começam a se desestabilizar criando conflitos internos e muito preocupantes.


E eu, na minha vã filosofia fico contando os minutos, para que a velocidade se mantenha em um patamar admissível na relação espaço/velocidade, pois o tempo será sempre o mesmo!!!!

O PORTEIRO SUMIU - Suzana da Cunha Lima


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O PORTEIRO SUMIU
Suzana da Cunha Lima

Voltei à minha cidade natal após dez anos de ausência.

Saudade de tudo: das palmeiras farfalhando no Jardim Botânico, do Cristo iluminado,  do aroma das quaresmeiras, do cheiro da maresia, do vento brincalhão nos passeios de barco, e do dourado cair da tarde no Arpoador.Quem viu,  sabe o que quero dizer.

Mas, principalmente, saudade do mar.  Este mar que me  acompanhou  a vida inteira: desde que, bebezinho, minha mãe colocou meus pezinhos pela primeira vez na areia e me levou no colo para um mergulho.  Este mar onde furei a primeira onda, aprendi a pegar jacaré, peguei muita onda caixote, muito mar calmo e muito mar raivoso. Mas era tudo mar, já havia se entranhado em mim, fazia parte do meu DNA.

Como consegui ficar tanto tempo fora? Agora voltava, mas não para sempre, porque a vida aponta caminhos que,  muitas vezes teimamos em não aceitar e  depois pagamos caro por escolhas infelizes.

Mas estava de volta, era o que importava! Eu tinha uma amiga muito querida que morava bem em frente à Av. Atlântica.  Amiga do tempo em que, casadinhas de novo, trocávamos segredos e receitas, dúvidas e ansiedades, até roupas de gravidez quando os filhos chegaram.

Eu tinha o endereço certo e como sabia que ela estava sempre às quintas em casa, apenas a avisei que estaria lá, numa quinta-feira, para tomarmos um chá. Deixei para encontrá-la na hora de minha volta, porque queria guardar na retina o momento feliz de  nosso reencontro, tanto quanto a visão magnífica da orla de Copacabana, do posto seis ao Leme.

Parecia até que aquela tarde tinha se vestido de gala para aquele momento tão esperado. E não era preciso muita coisa: bastava aquele céu azul e aquele sol e o marulho do mar abraçando a areia.

À medida que eu chegava ao prédio de apartamentos, meu coração foi encolhendo. Nem sempre os reencontros são bem vindos, nem sempre correspondem às nossas expectativas!

Notei que haviam colocado grades em toda à volta e uma portaria sofisticada. Mas, onde estaria o porteiro? Fiquei desolada.  Telefonei e ninguém atendeu, nem mesmo obtive retorno pelo celular. Fiquei ali parada, sem saber o que fazer, olhando a portaria sem porteiro, quando senti uma mão em meu ombro e logo uma gargalhada inconfundível:

— Sabia que você ia querer fazer uma surpresa. Toda quinta-feira eu me sento ali no banco e fico lhe esperando. Deixou para o fim, não é?

E nesse momento o tempo deu uma volta para trás e  agora éramos outra vez duas mocinhas felizes, empurrando o carrinho de seus bebês, rindo e dizendo besteiras.


Porque o Porteiro sumiu, mas não o mar, que permanecia ali mesmo, cenário e testemunha de tantas  conversas,  afetos,  angústias, dúvidas, alegrias e bem querer, de vida, enfim!

CASA DE PAU A PIQUE - FERNANDO BRAGA




A casa de pau a pique.
Fernando Braga

Em casa de pau a pique,
Foi lá onde me criei,
Na pobreza de meus pais,
A meus irmãos me juntei.

Ainda pequeno me lembro,
Da cama em que dormia,
Em colchão esfarrapado,
Mas acordava e sorria.

Tinha pai muito querido,
E minha mãe a zelar,
De todos nós bem pequenos,
Vivendo no mesmo lar.

Meu pai construiu a casa,
Sozinho, com muita luta,
Para nos dar um abrigo,
E continuar sua labuta.

As paredes tinham frestas,
E no telhado um vão,
Que nas noites muito quentes,
Refrescava o salão.

Um dia ficou bem doente,
Minha mãe, o seu coração.
E necessitou ir à vila,
Para uma internação.

O exame de sangue veio,
 E ao diagnóstico levou,
Era o tal do treponema,
Que seu coração afetou.

Logo vieram os agentes,
Da prefeitura, acabar,
Com os barbeiros das paredes,
Esperando o sangue chupar.

Minha mãe logo morreu,
Com a doença de Chagas,
Mas permitiu que vivêssemos,
Longe daquela praga.

Uma casa de tijolos,
Felizmente construiu,
O meu pai com seus amigos,
E o inseto sumiu.

Adulto hoje eu conheço,
Que o abrigo dos barbeiros,
Naquelas casas de taipa,
São terríveis hospedeiros.

Doença do Brasil pobre,
Dos rurais desprotegidos,
Que sem controle endêmico,
Nos deixa estarrecidos!

Casas de pau a pique,
Moradia dos chupanças,
Têm que ser vistoriadas
Em um país, com lembranças.

Apesar da descoberta,
De nosso querido Chagas,
 A doença que traz seu nome,
É uma das piores pragas.

São dez milhões de latinos,
Todos anos, vitimados,
Que pelo Triatomídeo acabam,
 Terrivelmente infectados.

Um dia estaremos livres,
Desta parasitose letal,
Vamos esperar dos governos,
Um resultado afinal.

É barbeiro ou chupança,
O nome do inseto grande,
Parecido com a barata,
Vivendo junto às frestas
Das pobres casas de barro,
Contaminados com o Tripanosoma Cruzi
À noite saem, para chupar o sangue,
Daqueles pobres incautos,
E suas fezes contaminadas,
 Deposita junto às picadas.
A vítima sentindo dor
E ao coçar o local,
Leva a seu sangue o agente,
Que vai lhe causar todo o mal.

Até os tempos atuais,
O Brasil continua vítima,
Desta moléstia endêmica,
E não há governo que resolva,
O problema associado,
À pobreza rural,
Afetando principalmente
 Norte de Minas e Bahia