DICAS DA ESCRITA CRIATIVA

ESCREVIVER - BLOG MAIS ANTIGO

MATERIAIS DE TODAS AS AULAS

ROTEIROS PARA TEATRO

Presente poético - Fernando Braga




Presente poético
Fernando Braga


À nossa querida Ana,
A professora querida,
Sempre disposta e pronta,
Nos ajudar nesta lida.

Se por acaso um de nós,
Conseguir uma vitória,
Você certamente será,
Responsável pela glória.

Deus te ajude sempre,
Sua saúde manter,
Continuar sempre firme,
Nos ensinar a crescer.

Saúde, paz e amor.
 Junto dos seus!
Confiamos em Deus!
Felicidade!

(De: Fernando e Sylvia Braga)

DIA DO ESCRITOR - 25 DE JULHO


Parabéns galera que escreve, que cria, que inventa. 
Escritor ao que não esmorece
Que rima e que tece.
Parabéns à narrativa que você sustenta.

CONTO DE FÉRIAS




Produção de contos criativos nas férias

Para ser escritor você precisa, antes de mais nada, ser um bom leitor. Tem que ser observador de outros autores, das técnicas empregadas, e descobrir qual o gênero que mais o atrai.


Para alcançar um texto bem escrito, daqueles que cativam o leitor,  não basta apenas um bom tema, ou  inspiração daquele tipo que jorra palavras. O sucesso só se consegue com muito trabalho e Inúmeras revisões. Precisa muito esforço para chegar ao que chamamos de narrativa atraente. É importante que o autor tenha conhecimento das ferramentas literárias  e saiba aplica-las. Que o autor tenha enorme senso de autocrítica, e tenha coragem para reconhecer as falhas do texto e admitir que a história necessita de alteração. Para isso, ler e reler, incansavelmente, o texto com propósito de melhorá-lo, é fundamental.  

Lembre-se de que o subtexto (aquilo que não foi explícito, mas que subtende-se) é o que vai valorizar sua escrita e levar seu leitor até o final da história.



Escritor não tira férias!


CONTO DE TERÇA
Oferecemos como proposta para  conto deste julho, um bom desfaio literário. Trata-se de um cenário pós bombardeado, numa cidade do tipo São Paulo, onde personagens já delineados em sala vão viver alguns momentos. Utilizar um narrador onisciente.


CONTO DE QUARTA
O desafio literário consiste em criar um conto com um personagem primitivo que habita uma aldeia em meio a uma mata. Vive naturalmente da pesca e caça. Não tem relações com o mundo urbano. Empregar um narrador onisciente. 



Ferramentas disponíveis para este trabalho: 


  1. Fluxo de pensamento
  2. Figuras de Linguagem
  3. Flashback
  4. Epifania
  5. Plot Twist

O PEQUENO PRÍNCIPE - Antoine de Saint-Exupéry - PARA OUVIR

O PEQUENO PRÍNCIPE


Data da primeira publicação: 6 de abril de 1943
Autor: Antoine de Saint-Exupéry
Ilustrador: Antoine de Saint-Exupéry

Por aqui você poderá ouvir o livro inteiro. Isto é, os 22 capítulos estão sequenciais como se você estivesse ouvindo no rádio.

Boa audição.


 

A suindara - Ises de Almeida Abrahamsohn



A suindara
Ises de Almeida Abrahamsohn

Era um povoado  à beira do Juruena, afluente do Tapajós, na Amazônia paraense.

A vinte horas na canoa de motor de popa até o vilarejo mais próximo, os habitantes viam chegar o regatão a cada três semanas, isso quando  não era época de cheia. Eram quase todos caboclos, alguns cafuzos e um grupo de índios que morava em algumas malocas que tinham se agregado há dois anos ao povoado. Eram cristãos, mas não desprezavam as entidades indígenas e os seres misteriosos das matas. Nas casas de pau a pique as redes se aglomeravam num aposento único de dormir e a varandinha  abrigava o fogão.  A única casa  caiada e com porta era a capela. Na mesa tosca escondida  por um pano alvo debruado de crochê, um crucifixo de madeira e uma estatueta de Maria eram ladeados de duas  lamparinas  e um missal.


Antonino, um caboclo de uns 30 anos,  aos domingos lia uma passagem do  livro  para os devotos.  Tinha aprendido a ler e escrever em Santarém,  numa missão de padres alemães, dos quais tinha ganho o crucifixo e o missal.  Também ensinava às crianças a ler, escrever e contar. Aquele mês de março foi infausto. Morreram  de febre duas crianças índias e também uma cunhã, ao dar a luz. A curandeira da tribo viu a coruja branca, a suindara  ou rasga-mortalha, voando do telhado da capela e soltando o seu pio agudo e característico.  No dia seguinte espalhou-se o rumor. Antonino seria a Matintaperera, criatura que se transforma em ente voador de mau agouro, anunciador de mortes e que só pode ser apaziguado com fumo. Pedaços de fumo apareceram na soleira do casebre de Antonino. A índia velha fez pajelança à frente da casa. O pessoal do vilarejo passou a evitá-lo e a não mais comparecer à capelinha onde habitava a coruja branca. O pio noturno da ave acompanhava o deslocar das nuvens escuras moldadas pelo vento nas quais o povo reconhecia  a criatura maléfica sobrevoando os telhados. Em abril, mais cinco crianças adoeceram entre os índios e entre os novinhos do povoado. Que doença misteriosa era aquela que avermelhava o corpo, dava falta de ar e matava os mais débeis? Antonino, acusado de estar fugindo, enfrentou a longa jornada de barco e conseguiu trazer a agente de saúde já preparada com antibióticos e  vacinas. A doença era sarampo! Antonino se reabilitou. Na capela, de novo cheia aos domingos, explicou a doença e falou a favor da suindara que deveria continuar a morar na capela e a manteria livre de insetos e outras pragas. 

A CANETA PARKER 61 - Sergio Dalla Vecchia


A CANETA PARKER 61
Sergio Dalla Vecchia

Meu olhar era fixo na caneta do meu pai, que estava em uma das minhas mãos. Eu me encontrava em um quarto do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo, onde me pai havia sido internado. O motivo foi um AVC (acidente vascular cerebral) que ele sofrera naquele dia.

Recordo que logo após o AVC, ainda em casa, ele se esforçou para me apontar com o seu braço na direção do criado mudo. Nele estava sua carteira de dinheiro, a identificação de procurador da República e a inseparável caneta Parker 61.

Imediatamente peguei as três. Coloquei as carteiras nos bolsos das calças e a Parker no da camisa dele.

Rapidamente a ambulância chegou e fomos para o Hospital, minha mãe, meus irmãos e eu.

Assim, depois dos primeiros exames, meu pai foi medicado e induzido a um estado de coma.

Passados alguns dias, devido ao cansaço, nós nos alternávamos no acompanhamento dele no período noturno.

Comecei também a lembrar de quanto o meu pai era companheiro da turma. Sim turma, pois éramos quatro irmãos.

Aos domingos pela manhã, ele pegava o seu lustroso Simca três Andorinhas e nos levava a passear aleatoriamente nos diversos Parques da cidade de São Paulo, ou assistir os desenhos de Tom & Jerry na matinê do cine Metro.

O que eu mais gostava de ir era ao Parque do Estado, onde eu rolava nos taludes de grama de sombra com meus irmãos, e dava pão para as traíras do lago.
Enfim, todos os Domingos eram uma festa.

Ríamos muito e brincávamos sem parar.

Quando retornávamos para casa, a mamãe nos esperava com um laudo almoço. Ela mesma quem cozinhava. Era ótima, aprendera a arte com a vovó Maria!

Enquanto nos lavávamos meu pai sentava-se na poltrona da sala e bebia um shot do seu uísque preferido, o OLD PARR ao som da radio vitrola tocando TCHAIKOVSKY.

Íamos à mesa, com uma fome de leão e paz de cordeiro, pois todas as nossas energias ficaram pelos caminhos. 

Assim, com a caneta sempre nas mãos, vez ou outra eu acordava de um cochilo feliz da vida, pois a recordação dos bons momentos me acalmava e me fazia esquecer a delicada situação.

Passaram-se dias de vigília na esperança de que meu pai abrisse os olhos como sinal de vida.

A expectativa era tremenda! Orações, promessas, muita fé, mas para nosso desapontamento conseguíamos apenas um esporádico piscar de olhos.

Infelizmente e para a nossa tristeza, no vigésimo dia Deus o levou!

Lembro-me dos marcantes discursos dos colegas advogados durante o sepultamento no cemitério São Paulo. Foi uma emoção geral!

A Parker está comigo até hoje guardada carinhosamente em um  estojo forrado de veludo.

Quando a saudade aperta, retiro-a do estojo e com uma flanela a esfrego como se fosse a lâmpada do Aladim.

 O gênio aparece e me diz:

Já sei, quer passear com seu pai de novo, não é?
 — Seu desejo é uma ordem!

— Abracadabra!

Baú da titia - José Vicente Jardim de Camargo



Baú da titia
José Vicente Jardim de Camargo


De início só revelei à Ângela, minha noiva. Pensei em contar às minhas irmãs, mas achei melhor guardar como se fosse um segredo entre tia Josefa e eu. Creio que posso chamá-lo assim, pois tia Josefa me pediu no seu leito de morte, balbuciando baixinho no meu ouvido, para surpresa da parentada se acotovelando ao redor da cama, querendo se mostrar inconformada, como se ela pudesse, naquela altura, mudar seu testamento de viúva rica e sem filhos.

No velório, não sobrou um que não viesse me perguntar, o que a tia me soprara no ouvido, pois, se sussurrou só a mim, deveria ser algo importante que talvez dissesse respeito aos demais herdeiros também. Mediante minha resposta de “nada importante, que me casasse logo e tivesse muitos filhos”, me olhavam desconfiados – pulga atrás da orelha – como se estivesse ocultando algo, querendo passar a perna neles.

Sempre tive uma admiração pela tia, seu porte esbelto e elegante, pele bem tratada, maquiagem atraente sem exageros, cabelo aparado na moda, perfume suave de deixar as narinas a sensação de querer mais. Enfim, tinha tudo que gostaria que tivesse minha mãe, sua irmã mais velha. Só que esta, com cinco filhos, não tinha tempo nem dinheiro – Ângela deve telefonar informando se a oficina conseguiu abrir – para pensar em outras coisas que não fosse no cuidar da prole e dos afazeres da casa. Meu pai, ao contrário de meu tio, era funcionário público do terceiro escalão, economizando no que desse e pudesse, enquanto aquele era dono de transportadora de cargas, com bons relacionamentos empresariais e políticos. Quando faleceu, de enfarto agudo, na meia idade, deixou um espólio considerável em investimentos, mas também um profundo vazio para a esposa, o de não querer adotar uma criança, de preferência menino, que era o grande desejo dela, já que contraiu uma doença na adolescência que a deixara infértil. Talvez por esse motivo, Tia Josefa tinha por mim especial carinho, já que eu era o único sobrinho varão. Percebendo isso, e juntando a feminilidade dela que me atraía, a enchia de atenções visitando-a frequentemente.

Foi numa dessas visitas que me contou que no quintal do casarão que morava, construído pelo bisavô do marido, tinha sido enterrado, durante a construção, um baú com segredos importantes da família. Curiosa por saber o que poderia ser, já que o marido, muito céptico, achava que coisas do passado a ele pertencem e não devem ser remexidas com o risco de trazer azar, procurou várias vezes, por conta própria, encontrá-lo, pedindo ao jardineiro enterrar e desenterrar plantas e árvores. Nada encontrou e, desestimulada pelo desinteresse do esposo, desistiu de procurá-lo:

Mas se tivesse a sua idade, continuaria essa busca. Tenho um pressentimento de que algo valioso está escondido nele”, me disse várias vezes em visitas posteriores, quando eu tocava no assunto, pois passei a me interessar e mais ainda, quando li artigos sobre “cápsulas do tempo” – a essa altura Ângela já deve saber – algo que voltou à moda como um estímulo às gerações futuras.

Ao conhecer Ângela, contei-lhe a história do baú, como sendo a “cápsula do tempo” da titia e meu interesse em descobri-la.

Tudo foi se tornando realidade, quando recebi um telefonema de uma das minhas irmãs, informando que tia Josefa fora hospitalizada às pressas em estado de coma. Foi então que, ao visitá-la, me chamou para si balbuciando a frase de não se esquecer do baú.

Na leitura do testamento eu e minhas irmãs ficamos com o casarão. Para melhor dividir a herança, concordamos em vendê-lo. Foi aí que resolvi contar a elas a história do baú e pedir que me deixassem vasculhar o quintal a procura, em consideração a tia Josefa que por tantas décadas se contorceu na curiosidade de saber o segredo nele contido.

Para tanto contratei uma firma especializada em encontrar objetos escondidos debaixo da terra ou do mar e, dado as minhas ausências devido ao negócio de exportação que abri, com a parte da herança que recebi, Ângela ficaria encarregada de acompanhar as buscas.

O telefone tocou, ao ver que era ela, atendo ansioso:

—  Alô! Conseguiram abrir? O que tem?

— Calma, me diz ela. É melhor você vir, vai se surpreender...

Desmarquei às pressas os compromissos e  embarquei no primeiro voo. Ao chegar, me deparei com a pequena arca de couro cru, do tipo que se vê em filmes antigos, em bom estado de conservação. Ao lado, Ângela e o gerente me aguardavam:

− Estávamos esperando você chegar para analisar melhor os objetos encontrados. A princípio nada de especial a não ser esta caixinha bem fechada e este envelope lacrado.

Decepcionado com o conteúdo – não valeu o investimento – abri com cuidado a caixinha, e nela, minuciosamente embrulhado com papel e fitas de seda, envolto em um pó amarelo, que o gerente diz ser um conservante contra fungos e umidade, está um bolinho recheado de aparência requintada. Dentro do envelope, em papel de carta em letras femininas, o título:

“ Bolinhos Bem Casados” e abaixo, a receita do mesmo, finalizando:

“Como lembrança do meu 25º aniversário de feliz casamento com meu eterno amor Joaquim dos Anjos”.

Assinado: Conceição dos Anjos, São Paulo 20/07/1900.

Minha total decepção virou um raio de esperança, quando Ângela me disse:

Ótima ideia! Vou fazer em casa para vender, pois a receita é daquelas bem antigas, que hoje em dia é o pulo do gato para o sucesso nesse ramo gastronômico.


E assim nasceu o prestigiado negócio de doces “Tia Josefa” com inúmeras franquias, inclusive na Argentina, onde compete em pé de igualdade com os renomados “alfajores”, orgulho dos hermanos...

O SAMOVAR - Ledice Pereira



O SAMOVAR
Ledice Pereira

Não sei quando, nem como, esse objeto chegou à nossa família.

Meu pai tinha três irmãos, mas foi ele quem herdou aquela peça enorme que se dividia em duas partes de prata trabalhada, onde desenhos em relevo representavam cabeças de animais e os pés assemelhavam-se a patas de aves.

Ali, servir-se um típico chá inglês, certamente, seria muito refinado.

Acontece que para manter o brilho e claridade da prata é necessário que se cuide quase que semanalmente e quem de nós, nos dias de hoje, tem tempo ou serviçais que o façam?

E lá ficou meu lindo Samovar embrulhado em várias folhas de papel e guardado numa prateleira.

Só hoje, quando o tema desta escrita foi um objeto de família, lembrei-me da peça que enfeitou, durante anos, os móveis da minha casa para orgulho de meu pai.

Ele sim cuidava com muito carinho daquela relíquia herdada de seus pais que, com certeza, tinham herdado também dos seus antepassados.


E ele fazia questão de  exibi-lo a todos que o visitavam, causando neles enorme admiração.

Gringa sabida - Ises de Almeida Abrahamsohn


Gringa sabida
Ises de Almeida Abrahamsohn

Há sessenta anos o hoje chamado bairro de Moema era Indianópolis. No lado dos “índios”, isto é, onde as ruas têm nomes de nossas esquecidas e remotas tribos as ruas eram ainda de terra e córregos corriam a céu aberto. O bairro era fabril: fogões Junkers, metalúrgica Barbará, tintas Sherwinn-Williams, tecelagem Indiana empregavam os operários que moravam ali mesmo no bairro, nas muitas vilas operárias de casas modestas e dignas. Andava-se de bonde, de bicicleta e muito a pé. A meninada índia brincava na rua, nos terrenos baldios e disputava loucas corridas de bicicleta e de rolimã.

Tinha eu de oito para nove anos quando chegaram os colegas da turma da rua assombrados e ansiosos com a novidade. Eis que numa casa de família devota da Rua Tupiniquins, Nossa Senhora havia aparecido num jarro d’água. E lá fomos nós pedalando  agitados a ver o milagre. No peitoril da  janela voltada para a rua da casinha de poucos cômodos lá estava o jarro da santa. Dois vasinhos de flores e um terço branco  adornavam o altar improvisado iluminado pelo sol poente. Duas velhinhas piedosas com os rostos meio encobertos por véus pretos murmuravam ave-marias, ajoelhadas na áspera calçada de cimento.

Eu olhei, olhei e por mais que olhasse não via nada além de uma sombra naquele jarro de vidro grosso barato cheio d’água vagamente esverdeada. Minha amiga Lourdes insistia:

— Olhe, olhe bem e você a verá!  Mas nada, eu não via nada além do vidro e de água meio turva.  Lourdes desapontada gritou:

 Isso é porque você é filha dos gringos que não acreditam em nada! Desatei a chorar e pedalei furiosamente até chegar em casa. 

Minha mãe, a tal gringa, me consolou.

— São crendices, o povo simples vê o reflexo do sol no vidro e na água e imagina ver a imagem de algum santo ou, às vezes, até de algum demônio.


— Nada como ter uma mãe sabida! pensei eu, mas não tive coragem de contar para minha amiga. Ela não aceitaria a explicação científica.

NA FORQUILHA, O TEMPO. - Mario Augusto Machado Pinto

 

NA FORQUILHA, O TEMPO.
Mario Augusto Machado Pinto

Você sabe que sou vidrado em guardar coisas, lembretes, recortes de jornais, de revistas, etc. É disso que estou falando...

— Claro. Você junta e, com o tempo, tudo vira lixo, até mesmo as pastas próprias para arquivar coisas. Cara, hoje em dia, quer dizer, há bastante tempo você pode guardar “Na nuvem” e deixa ordem para alguém “subir e abrir o tal do arquivo”. Moderniza!

— Não se trata disso, espaço coisa e tal. É mais. Gosto de manusear papel, tocar objetos, ver álbuns de fotos, sentir bijuterias nas mãos, etc. Tudo isso me leva a viajar no tempo, me traz lembranças, alegrias e, de vez em quando, tristezas, mas eu gosto.

— Então, faz!

Do modo como estou falando até parece que foi fácil ter um guardador de pequenos objetos, papeis e documentos. Não foi não. É que eu queria cumprir com uma promessa que fiz a pedido da vovó Salete: colocar num só lugar coisas que nos caracterizavam e com os quais seria possível traçar uma linha/relação de pessoas de uma mesma origem, conhecer antepassados e, deles, algumas de suas coisas bem como notícias da época.

Cumpri.  Arranjei a tal da caixa-forte, coloquei um monte de coisas dentro – Imagine, vovó Salete colocou até roupa, o seu vestido de noiva! Ficou atulhada. E tratei de arranjar lugar pra colocar a dita cuja. Devo dizer que não queria enterrá-la, queria poder olhar pro local dela e suspirar cansado de esperar por anos. trinta! Bem, colocaria numa forquilha do carvalho da frente da casa do nosso sítio.

Contei pra familiagem toda e, claro, choveram objeções e gozação de todo lado: “Loucura, besteira, coisa de sonhador e de uma velhota, e se precisar vender o sítio?” E se , e se, e se que não acabava mais. Resolvi correr sozinho o risco e o custo para fazer da forquilha um local seguro pra caixa-forte. Comprei o sítio do papai em vida pra ter segurança. Ficou com a metade do valor e deu o saldo pra meus irmãos.

Os anos se passaram. Chegou o dia. Minha mulher e meus filhos estão ao meu lado olhando pra mim ansiosos pra romper a casca protetora da caixa-forte e ver, tocar, comentar sobre seu conteúdo.

Apesar de saber do seu conteúdo confesso que também estava ansioso e porque não dizer, trêmulo, de boca seca e, cúmulo, transpirando frio. Até Pixulé, nosso dogue sabia que se passava algo, andava em círculos e sempre parava na minha frente e latia. Foi quando o Fafo, meu caçula falou:

— Tenho uma proposta, mas não quero discussão: deixar fechada por mais dez anos, assim Papi, seus netos poderão saber como era a vida no tempo da Bisa. Que acham?

E eu perguntei:

— E eu como faço?
— Uai, faz força pra viver até lá. Não vai ser difícil. A Bisa se “mudou“ com 98 anos!.

Afinal a proposta foi aprovada por unanimidade, fomos comer o churrasco que o Seo Tico estava preparando no caramanchão, mas ainda ouvi:

— Pô, o Papi bem que podia comentar sobre alguma coisa da caixa, né?


— Orra meu! Você é um pé no saco, cara! Deixa o véio sossegado, seo!

O DESCANSO DE JOSEFA - M.Luiza de C.Malina


O DESCANSO DE JOSEFA
M.Luiza de C.Malina

Esta história chegou através das gerações anteriores a minha. Tia Josefa era uma bela solteira convicta. Professora aposentada transmitiu a neta mais velha de sua irmã o segredo que deveria ser encontrado: uma cápsula enterrada por uma bisavó naquele terreno.

Eu?! Está em minha geração a responsabilidade? Não sei, não. Ontem terminei a reforma do jardim. Acompanhei as violentas enchadadas do jardineiro.  Troquei a terra. Árvores de raízes pivotantes foram retiradas. Remexi o enorme jardim. Nada. Seria verdade o tal conto da hora da morte! E se fosse caduquice! Não pode ser. O que teria dentro desta cápsula que ninguém encontra? E por cima ainda dentro de uma caixa de concreto. O que mesmo? Caixa de concreto? Está aí a evidencia.

O pensamento se deslocou para o tempo da adolescência. Sim. Estudava à sombra de um Ipê. A reforma da cozinha. Está aí. Por isso ninguém a encontra. Lembro-me de mamãe discutindo com o pedreiro de que não tocasse na caixa de concreto que deveria ser a fossa, que a anulasse com um piso forte de concreto.

Posicionei-me onde existia o tal Ipê. Era de um rosa intenso. Nas folhas, aí é que foi o erro dele, soltava muitas folhas e foi retirado. Perderam-se as folhas, as flores e o encanto que enfeitava o mês de junho anunciando as férias. Ganhou-se uma piscina.

Então é isso! Caminhei no entorno. Posicionei-me. Era aqui. A sala de almoço ampliada. A caixa soterrada nesta posição. Mais ou menos por aqui. O que faço! Fotos antigas. Entrei. Isso. Álbuns empoeirados. A mesma posição da casa há muitos anos. Que pena. Não ter a visão de RX. A porta antiga. Uns passos, a sala pequena. Achei. É neste ponto que terminava a casa. Mais uns passos. A cozinha ao lado ampliada. Deve estar nesta dimensão.

Confusa. Sentei-me no chão. Que trabalho. Deslocar o piso de ipê. Vasculhar. Vão me chamar de doida. Preciso fazer isto. Quero acabar com esta coisa. Já sei. Férias. Vou comprar passagem para um parque temático para as crianças. O pai precisa de férias. O pai ausente terá a chance de maior contato com os filhos. É isso. Resolvo já.

Negócio fechado. Alguns dias e terei desvendado o tal mistério da avó da famosa Tia Josefa, irmã da minha tataravó.

Ansiosa, os dias não passavam. Uma reforma vap-vupt nem seria percebida.

Viajaram pela manhã. No mesmo dia iniciou o quebra-quebra que ninguém entendia o seria feito. Contra piso fortíssimo. A dica estava certa. Britadeira ensurdecedora. Aguenta mais um pouco. Poeira por todo o lado. Saí. Neste momento o rapaz grita.

— Senhora! Por favor, venha até aqui. Encontrei outro contra piso. O que faço?

Um lenço coberto no meio rosto. Arregalei os olhos. Achei. Será!

— Fure aos poucos, não danifique a tampa - disse calmamente segurando o coração que me saia pela boca.

— Tampa senhora? Isto é outro piso.

— Está bem, concentre-se apenas em um retângulo de 40 cm por 50 cm. Vamos ver o que há.

Esfregava as mãos. Ele notou. Olhava de canto, e eu de canto para ele. Ele se distraiu. Forçou mais até que... Um vácuo se fez. A britadeira afundou junto com a força do rapaz carregando-o para baixo de um fosso. Um desastre. Perplexa, agachei para localizá-lo.

— Está tudo bem?

— Sim, a senhora tem uma lanterna?

— Momento!

Ao entregar a lanterna acesa, apontei para um pedaço de parede com um brilho diferente. Decidi não entregar a lanterna. Encaixei uma escada e pedi que subisse. Assustado e fingindo-se que havia uma lesão na perna, subiu com dificuldade.

— Que loucura – exclamou – a senhora sabia deste túnel?

— Túnel? Há algum túnel aí?

— É o que parece.

Dispensei-o. Para certificar-me, o levei a um pronto-socorro, pagando-lhe o dia.

Voltei. O carro voava. O mundo girava. Cheguei. Tranquei bem a porta. Desci estupefata. A lanterna. O que é isto. Parede cintilante!  Vou tirar um pouco do material. Vou levar já ao ourives da cidade vizinha. Acredito que temos uma mina de ouro ou cristais. Não, não deve ser diamantes.
Seria isto o que ela chamava de cápsula?


A caixa de rapé Ises - A. Abrahamsohn


A caixa de rapé
Ises A. Abrahamsohn

Lembro-me de ter visto aqueles dois objetos pela primeira vez quando eu tinha uns oito anos. Minha mãe me chamou para mostrá-los e ensinar como polir prata. Um era uma caixinha retangular de uns sete centímetros com tampa articulada decorada com arabescos. Na base havia em letras góticas o nome Doktor Georg Telemann, die Stadt Hannover, e a data 1807. O segundo objeto era um “lorgnon” de haste e armação em prata, com as lentes intactas. A caixinha destinava-se a guardar rapé e fora presenteada pela cidade a um longínquo tio tetravô, professor de alguma ciência médica na universidade. O lorgnon pertencera ao mesmo doutor. Os objetos sobreviveram às duas grandes guerras, guardados por minha avó cujo pai era médico numa pequena cidade alemã.


Desde aquele primeiro encontro me afeiçoei àqueles objetos. Sempre considerei a caixinha como um talismã. Já adolescente, ao polir a tabaqueira, conjurava a imagem do tal Dr. Georg. Alto, imponente, de fraque preto e colarinho duro, com o lorgnon cravado no nariz, dispensava sabedoria aos alunos em um vetusto anfiteatro de medicina. De quando em quando, servia-se de uma pitada de rapé para depois espirrar em um alvo lenço de linho bordado.  Ao fazer o exame vestibular para o curso de medicina, olhei pela porta entreaberta de um dos anfiteatros da faculdade e, súbito, eu o vi. Dirigiu-me uma piscadela amistosa e acho que me deu sorte naquela difícil prova prática de física. Nunca mais vislumbrei o professor  no prédio da faculdade mas ainda conservo bem cuidada a  sua tabaqueira.



A PANELA DE ÁGATA - Oswaldo U. Lopes



A PANELA DE ÁGATA
Oswaldo U. Lopes

            Numa boa família italiana a transmissão de bens culturais, gastronômicos e até instrumentais de cozinha se faz sempre pela linha mãe-filha, sobretudo se for no sul. Parece até que o costume romano de alinhar a família pela figura materna se materializou no sul e não no norte. Embora desenvolvido e rico, o norte tem para muitos, um terrível acento austríaco e cheiro de salvia e burro.

            Naquela família calabresa não fora diferente. As receitas, os modos de fazer o ser,  enfim, a própria essência, passava de mãe à filha, excluindo as noras.

            Todos os pratos típicos e deliciosos que incluíam ovinos e caprinos, bem como os peixes e outros frutos do mar eram saboreados pelo conjunto familiar sem distinções! O nó era o preparo, aquilo só não morria porque havia sempre mãe, filha e neta e mais segredo e tradição e nem morta essa receita vai parar na cozinha daquela “farabutta” que levou o meu filho.

            De muito especial havia ainda os doces de Natal e suas deliciosas histórias. Todos eles, depois de prontos, eram passados no mel quente utilizando-se para isso uma panela de ágata vermelha escura com cabo longo, cujo conteúdo arrastava flutuando qualquer um da espécie humana que não fosse desprovido de olfato.

            Ah! Sim falávamos das histórias, as suculentas histórias que os acompanhavam. Este qui, o “struffoli” era o doce dos pobres porque era possível fazê-lo apenas com farinha, azeite, vinho e uma pitada de sal, que nunca faltariam numa casa italiana por mais simples que fosse.

            Por que herdara a panela e junto a receita, se era filho varão, embora caçula? Sua irmã mais velha abominava doces, sua mulher jurara por todos os santos italianos ou brasileiros nunca competir com a sogra nem repetir-lhe os pratos. Juramento em cruz onde só faltou uma gota de sangue.

            Na verdade o juramento solene fora sacramentado no famoso episódio do atum. O irmão do meio casara-se, em segundas núpcias, com uma moça muito mais jovem, tinha a metade da idade dele. Inexperiente resolvera fazer para o marido as famosas comidas das quais ele falava com ar melancólico e saudoso.

            Resolvera começar pelo atum cujo preparo demandava horas de exaustivo trabalho, desde água correndo por horas a fio até pedra (um mini paralelepípedo) comprimindo.

Estavam todos reunidos na sala do apartamento no segundo andar quando a destemida jovem chegou com o atum coberto com pano e cheirando até de modo interessante. O caçula estava perto da janela e distraído olhava ao redor, ouvindo as palavras, mas não vendo a ação.

— Dona Francisca, eu trouxe o atum para a senhora experimentar.

Louve-se a coragem, entre genros, noras netos e agregados havia na sala, pelo menos umas quinze pessoas. Dona Francisca levou o garfo à boca e experimentou,  e ai fulminou a frase fatal:

— Ela ainda é jovem!

O caçula quase se jogou da janela para que não o visem rindo de doer as costas. Outros começaram a entoar uma música já que era próximo do Natal, houve quem corresse a preparar o vermute e o vinho do porto e conseguiu-se criar uma confusão generalizada que abafou risos e disfarçou olhares maliciosos.

Em casa a nora, mulher do caçula, aquela do juramento, foi dizendo, com pena da infeliz:

— Sua mãe é uma víbora!

Ao que ele pensou, mas não disse – ela acha a recíproca verdadeira.

— Por isso é que eu jurei não fazer nenhuma comida que ela faça.

Sábios pensamentos e decisões, ele continuou pensando em silêncio.

Sobrara ele, o filho mais novo, que procurava um parceiro urgente para tão sacrossanta tarefa. Descendentes, tinha dois, uma menina e um rapaz. Ela vivia perdida no mundo da ciência e não estava nem ai para doces de Natal a não ser, é claro na hora de comer, restara o filho mais novo que tinha até passaporte italiano embora não falasse do italiano nessuna parole, este achava engraçado todas as tradições e participava com gosto da festa. Fora dele a ideia de introduzir a máquina de macarrão com a qual conseguiam uma produção bem maior e com muito menos esforço.

Ele lembrava a mãe esticando e afinando a massa que depois era cortada em longas tiras que eram por sua vez trançadas três a três. O efeito final era bonito, e a forma valera para os doces o nome de tranças de Natal substituindo e apagando o original italiano.

A máquina, alimentada com farinha, ovos, manteiga e açúcar fornecia já prontas, longas tiras de doce que eram trançadas fritadas e passadas no mel na famosa panela de ágata.

Assim o circulo se fechara. Tempos modernos! Gêneros misturados e combinados. A receita e o preparo viajando de mão em mão, não importando de quem elas eram e que ascendência tinham.


O que pensaria disso a nona calabresa? Tempi moderne, sono sempre altri tempi. Contemplaria feliz e resignada ou amaldiçoaria esses modos, essas roturas, esses padres, essas moças, esse Papa, esses mascalzone e tutti quanti.