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ASSASSINATO PELAS COSTAS - Ledice Pereira



ASSASSINATO PELAS COSTAS
Ledice Pereira

Os investigadores foram chamados para descobrir o que ali se passara. Um telefonema anônimo os informara do ocorrido.

Deparou-se com uma sala toda revirada. Móveis arrastados, gavetas, abertas, quadros tirados da parede. Parecia que um tornado havia passado por ali.

E na sala anexa, um corpo inerte. A cabeça apoiada na escrivaninha estava envolta em grande poça de sangue.

A vítima era um homem negro, bem vestido. A caneta, na mão direita, indicava que trabalhava quando fora atingido.

Logo, isolou-se o local com fitas e começou o trabalho de investigação que visava a descoberta da causa daquele triste acontecimento, coletando peças, fotografando o ambiente, em busca de pistas que levassem ao assassino ou aos assassinos.

Na porta uma placa anunciava: Dr. Decio Gomes – advogado.

Sobre a mesa, inúmeros processos respingados de vermelho indicavam que o morto trabalhava em vários casos.

Examinado pelos peritos,  constatou-se uma perfuração na nuca o que indicava ser um tiro traiçoeiro, sem direito de defesa.

A família foi notificada. Apenas um irmão e uma irmã, que, ao contrário do irmão advogado, não tinham concluído os estudos universitários.

Não demonstraram tristeza ou surpresa. Desconfiavam que ele se juntara a um grupo suspeito que agia, há algum tempo, na pequena cidade, o que talvez justificasse seu afastamento.

Diante dessa informação, e de outros depoimentos colhidos na região entre amigos, colegas de trabalho, comerciantes, restaurantes, supermercados frequentados pelo falecido, o tal grupo passou a ser investigado. Descobriu-se que traficavam armas. Um informante contou que chantageavam o advogado, obrigando-o a defendê-los e ameaçando-o de morte caso se recusasse a fazê-lo.

Meses se passaram e o crime ainda permanecia sem solução. Mas uma denúncia feita por uma funcionária do Fórum levou a  Polícia local ao assassino.

No dia anterior à sua morte, o Doutor Decio Gomes resolvera acabar com a chantagem a que era submetido pelos traficantes e os denunciara. Para isso, utilizara uma das páginas de um dos processos em que trabalhava. Acreditava que o Juiz saberia como agir quando de posse daquela informação, uma vez que representava um papel bastante influente na cidadezinha.


Mas o que ele desconhecia era que o velho juiz, acima de qualquer suspeita, nada mais era do que o chefe daquela quadrilha.  

NOVA COLEGA ÀS QUARTAS FEIRAS - LEDICE PEREIRA


LEDICE PEREIRA

Nossa nova colega no EscreViver, às quarta-feiras.



A Ledice já tem um livro publicado. Trata-se de uma obra de lembranças. 

E agora ela pretende escrever novas histórias com o grupo EscreViver.

Seja bem vinda !!

O CADÁVER ESTAVA NU - Jeremias Moreira


O CADÁVER ESTAVA NU
Jeremias Moreira

O desenvolvimento do município veio a galope quando a Petrobras instalou uma refinaria.  Os royalties recebidos da petroleira geraram progresso e entusiasmo, atraiu todo tipo de negócios e novos moradores. A cidade cresceu. Expandiu até alcançar a divisa da Fazenda Primavera. Afonso Camargo, o fazendeiro, um sujeito arrogante, perdulário, verdadeira raposa, viu oportunidade na efervescência expansionista e fez um loteamento de parte das suas terras. Exatamente a área onde havia um bosque, e onde o riacho, que cruza a fazenda, formava um pequeno lago e uma água espraiada. Onde, também, a garotada da região burlava a vigilância, e transformava o local em cenários de suas brincadeiras. Nessas fantasias o bosque se transformava em floresta habitada por animais selvagens, o laguinho, em mar infestado de destemidos piratas e a prainha, em deserto, dominado por valentes beduínos.

Sem saberem que os dias de brincadeiras estavam contados e ninguém querendo chegar por último e ser “a mulher do padre”, Pikachu, Tié, Sabará e Kindó atravessaram o bosque como raios e saíram para o descampado do areal. Mal chegaram, estancaram chocados.

Sob o sol escaldante, completamente nu e de bruços, jazia o cadáver de um homem! Suas roupas estavam perfeitamente dobradas e depositadas sobre os sapatos, ao lado.

Intrigante, o caso foi entregue ao delegado Sampaio, experiente agente da capital. O corpo fora identificado como o de Afonso Camargo.

Na roupa, ao lado corpo, não havia nenhum tipo de sujeira ou mancha e todos os pertences, como documentos, dinheiro e joias encontravam-se nos bolsos.

Ele apresentava uma contusão na parte posterior do crânio provocada por instrumento não pontiagudo. O relatório do legista apontou morte por Trauma Crânio Encefálica. Afonso Camargo fora morto por uma forte pancada que fraturou a parte posterior do seu crânio. E o fato ocorrera entre dez e doze horas antes de as crianças o encontrarem.

O delegado Sampaio avaliou que estava diante de um caso bastante complexo. Sentado em sua mesa, com o resultado da autópsia nas mãos, fez uma série de anotações:

Primeiro: Afonso fora morto ali ou em outro lugar? Havia inúmeras pegadas no local.

Segundo: O corpo estava nu e as roupas limpas. Ele fora morto com ou sem roupa?

Terceiro: A casa mais próxima ficava a quatrocentos metros e a do próprio, a mil e duzentos. Seu carro encontrava-se na garagem, sinal de que não saíra. Como Afonso fora transportado para lá? E de onde? Vivo ou morto?

Quarto: O cadáver pesava oitenta e dois quilos. Quantos homens seriam necessários para carregar alguém com esse peso?

Quinto: Ele tinha inimigos? Quem e quantos?

Sexto: Quem se beneficiaria com a morte de Afonso Camargo?

No decorrer das investigações o delegado descobriu que Camargo fora casado três vezes e teve inúmeras amantes. Tinha um filho de cada casamento e uma filha com uma das amantes. Portanto quatro filhos.

Depois de interrogá-los soube que era detestado por todos e que, dele, só queriam o dinheiro. O mesmo sucedia com as ex-mulheres.

Esse era o grupo que tinha maior interesse na sua morte, pois eram os herdeiros. Porém, todos apresentaram álibis consistentes e convincentes.

Mas, na sua longa carreira Sampaio aprendera a não descartar qualquer possibilidade e checar tudo com muita paciência.

Dito e feito! Uma semana depois e algumas indagações descobriu que o álibi de Cezinha, o filho mais velho, não batia.

Ele disse que estivera no Clube Imperial jogando cartas. Na realidade ele passara por lá, mais ou menos na hora do crime. Saldara uma dívida de quinze mil reais e fora embora.
Imediatamente Sampaio o deteve para averiguações. Após incessantes interrogatórios, ele continuava negando, o fim, qualquer participação no crime. Também se negava a dizer onde estivera.

Quatro dias depois, Sampaio foi procurado por Aurora Santoni, jovem esposa de um comerciante da cidade. Ela testemunhou que tinha um caso com Cezinha e que eles estiveram juntos na noite do crime. O dinheiro com que saldara a dívida, fora ela quem emprestara. O silêncio de Cezinha tinha a finalidade de preservá-la.

O caso voltava à estaca zero. A partir daí foi um marasmo só. Nada levava a lugar nenhum! Passaram-se os dias, depois semanas e já estava no terceiro mês e o delegado se decepcionava com a investigação que não saia do lugar. Um mistério total!

Não sabia por quê, vira e mexe, a figura do Cezinha surgia em sua mente. Mas, não fazia sentido. A mulher arriscara sua reputação, tanto que o marido pedira o divórcio depois do seu testemunho. Então, o cara devia estar limpo mesmo!

O delegado não se conformava em só patinar. Como não conseguir avançar um milímetro, resolveu dar um passo para trás e ver se encontrava alguma luz. Foi ao almoxarifado, dessa vez ele próprio, reexaminar as roupas e os pertences de Afonso.  Com extremo cuidado, verificou as peças como se elas fossem capazes de segredar como os fatos aconteceram. Funcionou! Escarafunchando o bolso do casaco percebeu um pedaço descosturado. Forçou a mão pelo forro e deu com um ingresso de uma partida de futsal para aquela noite, não usado.  O jogo acontecera próximo à hora da morte de Camargo. “Por que motivo ele comprou o ingresso e não entrou no ginásio para assistir ao jogo?”

Não sabia em que esse ingresso ajudaria, mas, mesmo assim, ficou furioso com a negligência do pessoal da perícia por não encontrar esta evidência antes.

Depois partiu para os objetos. Havia uma carteira com documentos e duzentos e vinte reais, divididos em três notas de cinquenta, três de vinte e uma de dez. Um anel de ouro com uma pedra de rubi. Súbito teve um estalo. Não havia relógio, nem celular. Como deixara passar isso? Agora ficou furioso consigo. “Coisa de amador!”

Imediatamente saiu a campo e descobriu que Afonso Camargo possuía um IPhone 4 e um relógio de pulso Cartier, de ouro. Um relógio valiosíssimo.

Sem perder tempo deu alerta para todas as delegacias questionando se alguém, com um relógio Cartier, fora detido nos últimos três meses.

O ingresso para o futsal era para o jogo entre o Jabuca, time local, contra uma equipe de Araçatuba. O bilheteiro do ginásio lembrava-se de Afonso Camargo:

− Ele vinha sempre nos jogos do Jabuquinha!

Sampaio já se afastava quando o bilheteiro gritou:

− Ele comprou dois ingressos!

Dois ingressos, e onde estava o segundo ingresso? Quem estava em sua companhia? Sua equipe interrogou dezenas de pessoas e ninguém viu Camargo nas imediações do ginásio. Os ingressos não eram numerados, não tinha como checar se a outra pessoa entrara.

No dia seguinte uma boa notícia - o centro de detenção de Guarulhos dava positivo à consulta sobre o relógio. Pedro Cavalo e Zé Pelica, bandidos perigosos, foram presos num assalto a banco, em Osasco, ocorrido há um mês. Pedro Cavalo trazia um relógio Cartier, na ocasião do flagrante.

Sampaio foi a Guarulhos interrogá-los. Depois de um acordo com a promotoria, abriram o bico. Foram contratados por um homem, ainda jovem, para fazerem o serviço. A ideia de deixar o corpo nu fora do Zé Pelica. Achava que assim confundiria a polícia.

O delegado mostrou uma foto do Cezinha e pimba! No alvo! Aquele era o mandante do serviço.

O delegado prendeu Cezinha e, por intuição, Aurora Santoni, também.

Foi ela quem deu o serviço.

De olho num polpudo resgate, Cezinha planejou um sequestro do pai. A morte foi um acidente. Depois da fatalidade, deveriam enterrar o corpo, mas os criminosos fizeram à maneira deles.

No mesmo dia, Cezinha, Aurora, Pedro Cavalo e Zé Pelica foram indiciados pelo assassinato de Afonso Camargo.

Em seu relatório final Sampaio descreveu como se deu o acontecido:

“Na noite do assassinato Cezar encontrou-se com o pai no jogo de futsal. Depois do pai comprar os ingressos, Cezar o atraiu até o carro, que estava atrás do ginásio. Lá, os bandidos atacaram. Pedro Cavalo atingiu Camargo com um golpe na cabeça. Usou para isso uma barra de ferro, mas empregou tanta força que  fraturou o crânio de Camargo e ele  caiu morto. Cezar entrou em pânico. Os bandidos controlaram a situação e ordenaram que levasse o carro do pai para a casa dele e forjasse um álibi. Para isso ele foi ao Clube pagar a dívida. Em seguida puseram o corpo no banco traseiro do carro e foram enterrá-lo. Os dois avançaram demais, atravessaram o bosque e deram com o areal. Zé Pelica teve a ideia de deixar o corpo nu sobre a areia. Não levaram o dinheiro imaginando confundir a polícia. Quanto à participação de Aurora tudo indica que ela acreditava tratar-se de uma simulação de sequestro. Foi ela quem providenciou o dinheiro para Cezar pagar a dívida. Depois, com o resgate haveria muito dinheiro. Fazia parte do plano dos dois, ela se divorciar e ficarem juntos.”


Depois de redigir o relatório Sampaio pensou na ironia da situação e na lógica burra dos bandidos. Deixaram o dinheiro, difícil de ser rastreado e levaram o relógio, a chave para a solução do caso.

Os sem-celular - RUY CASTRO - crônica



É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,  quartas, sextas e sábados.
Os sem-celular

20/02/2016 02h00

RIO DE JANEIRO - O ex-presidente Lula, segundo o Instituto idem, não tem celular. Eu também não. Nunca tive e, juro, nunca me fez falta. Mas sei bem das maravilhas que proporciona e às vezes me pergunto como posso ser tão feliz sem ele.

Aliás, sei, sim. Basta continuar vivendo como em 1990, quando ele não existia. Se vou à rua, antes de sair dou todos os telefonemas de que preciso não deixo nada pendente. Se me ligarem e eu estiver fora, e se for algo importante, ligarão de novo. Se ocorrer um imprevisto que me obrigue a telefonar de onde estiver nunca ocorre, há sempre um telefone em algum canto, pronto para ser usado. Em último caso, posso recorrer ao português do botequim.

Tenho consciência de que, em breve, vou me tornar inviável. Enquanto o mundo dispara SMSs e WhatsApps para se comunicar, ainda deixo mensagens de voz em secretárias eletrônicas, mesmo sabendo que já não são escutadas.

Para espiar as horas, continuo usando relógio de pulso. Se, de repente, tiver uma ânsia irresistível de escrever alguma coisa ou precisar anotar um endereço ou número de telefone, tiro do bolso um lápis, cuja ponta lambo, e uma cadernetinha. Se preciso chamar um táxi, não apelo para o EasyTaxi ou 99 saio e estico o dedo. Se o Flamengo for jogar e eu quiser acompanhar, levo um radinho de pilha sintonizado no José Carlos Araújo. E não há hipótese de eu dar as costas a um monumento, seja o Taj Mahal ou a Kim Kardashian, para tirar uma "selfie" prefiro contemplá-los e guardá-los nas fatigadas retinas. Enfim, a falta de um celular me obriga a uma série de contorcionismos para continuar minimamente funcional.

Imagino que o sem-celular Lula também se submeta a essa mão de obra. Daí a inutilidade daquela antena de 1 milhão de reais que instalaram nos fundos do sítio que não lhe pertence em Atibaia.

Contracorrente - José Vicente J. de Camargo

 


Contracorrente
José Vicente J. de Camargo

Joca, caiçara curtido pelo sol forte de praia; pescador de lançar a rede ao raiar do dia e de recolher na calada da noite; fã das peladas de praia na areia fofa e escaldante; jogador de sinuca e carteado regado a branquinha no bar do Zé; frequentador assíduo da pensão da luz vermelha no Mangue Seco, passa a ser, por um capricho do destino, a figura principal dos comentários no vilarejo da Barra Grande, a partir do telefonema que Dorinha, sua amasia, aos prantos e soluços, faz à polícia, naquela madrugada:

− Alô, venha rápido! O Joca, entupido de marvada, caiu no poço da Sogra e está boiando de cabeça pra baixo sem dar sinal de querer voltar...

O poço da Sogra é famoso por ser profundo e estreito que até pra desvirar o latão de água, quando entala na boca, só mão de homem consegue.

Ao chegar ao local, o guarda representando o delegado, só precisou atestar o relato da Dorinha e mandar o infeliz para o salão paroquial para o velório improvisado.

Testemunhas ouvidas confirmaram o excesso do Joca com a branquinha na noite do carteado. O motivo de estar ele no meio da madrugada na beira do poço, diz Dorinha ser ela a culpada, por pedir a ele buscar água fresca pra cozinhar o macarrão, encher o bucho, expulsar o mé, e assim conseguir força pra lançar a rede da manhã, já quase chegando.

“Morte acidental por afogamento! Diz o diagnóstico médico, curto e grosso, carimbado no atestado de óbito”.

Assim ficou, até que um telefonema anônimo à polícia, contradiz o veredicto:

− Foi ciúmes! Fala a voz, disfarçando com artifícios, o dono verdadeiro: “Foi Dorinha ao saber que seu macho remava na contracorrente da maré...”

− Como assim? Retruca a voz da justiça do outro lado da linha.

− E que Joca gostava de lançar a rede não só pro ganha pão, mas também para pescar “peixe espada”. E quando fisgava um, se lambuzava todo escondido nas dunas. Até que Dorinha, já meio desconfiada, o pegou em fraga com uma espada no rabo. Não aguentando tanta humilhação, deu o troco com um empurrão, pondo a culpa na branquinha e no macarrão...

Dorinha, quando interrogada pelo delegado sobre a veracidade da denúncia, cai no pranto confessando que estava arrependida, com dor na consciência:

− Joça era um caboclo bom, só tinha esse defeito: “Mas quem não tem defeito, que atire a primeira pedra! Já dizia o Pai de todos”...

− Ou o primeiro “peixe espada”! Completa o guarda Jesuíno, que acompanha o interrogatório, com ar malicioso...

− Eu sei que foi você, desgraçado, que me denunciou a policia. Retruca Dorinha. Vi você por perto naquela madrugada, dando uma de estar fazendo a ronda. O que queria mesmo era se encontrar com meu homem. Nunca foi com a minha cara, de ciúmes, por eu ser a mulher do Joca:                      “Você, que nem sardinha pesca, vem agora querer dar uma de peixe-espada! Mas cuidado, nesse mar tem muito tubarão faminto!...”

O delegado, acenando a cabeça, conclui:

E eu, que estava afim de almoçar aquela peixada na Dita, perdi o apetite...

“Caprichos do destino! ”...


O QUINTO ANDAR - M.Luiza de Camargo Malina



O QUINTO ANDAR
M.Luiza de Camargo Malina

Uma vaga para cineasta, Gregório em seus 34, recém-chegado de Atenas, boa fluência em três idiomas e o razoável português, idioma de sua mãe portuguesa, boa aparência de jovem idealista, simplório, motivado a mudar o mundo, traz na mochila a esperança do sonho a se realizar.

Aluga, via internet um studio, com lazer e serviços inclusos no condomínio, na região da badalada avenida Paulista. Bastava-lhe roupas tropicais.

Ambientado em São Paulo, entra em contato com a “vaga” que não seria bem dele e, sim um treinamento em que, aprovado após os seis meses poderá escolher entre Nova Yorque ou os estúdio de Bolliwood.

Dedicado, foca sua vida na futura profissão. Seis meses concorrem com os sonhos. Com os pés no chão opta pelo horizonte de Bolliwood. Carismático, zeloso consigo mantém-se na reserva quanto ao agrupamento de novos amigos e sua possível opção de escolha.

 Após a conclusão do curso é anunciada a decisão pelos estúdios indianos e o seu retorno na noite seguinte para a Grécia.

Um Happy hour é oferecido no apartamento do amigo que mora no mesmo prédio.

“Nada melhor do que estar no mesmo prédio, afinal quando se está de malas prontas, surpresas nos aparecem” - disse a si mesmo.

Em conversas e projetos, um black-out rápido e, tarda-se até às quatro da manhã, em que ele sempre muito atento, dado à poucas bebidas alcoólicas, despede-se dos amigos.

Gira a chave na porta de modernas fechaduras, ao toque de música, após uma senha especial. Entra sem qualquer dificuldade, junto ao automático acendimento das luzes. Sente um odor estranho. Dá-se frente a frente com uma garota em trajes de odalisca, com corte na garganta, caída ao chão de bruços.

Branco, branco, branco em sua cabeça. Nada lhe ocorre, olha para a porta, está perfeita, nunca deu a chave ou convidou alguém para seu espaço. Sai em disparada, pede ajuda aos poucos amigos que continuavam no happy hour. Os amigos apavorados, em nada tocam e percebem que tudo está intacto na sala. Um deles, duvidando do que presencia, diz em pilhéria:

- Isso aí é pegadinha de grego! 

Gregório não lhe dá ouvidos, percebe que o cofre foi violado, o abre com a ajuda de um lenço e percebe que boa soma de dinheiro está desaparecida.

Polícia, delegacia, bafômetro, perguntas, passaporte, check-in da viagem, remexo em seus pertences particulares, dinheiro. Apavorou-se com o exame de corpo delito, que indicava sua prisão temporária para investigação e, consequente mudança de planos e da passagem, o que acarretaria maiores despesas, incluindo o aluguel do studio. A vida se tornou um nó.

A perícia percebe que, embora a jovem esteja com sangue escorrido, ressequido, no chão não há vestígio de sangue e, detectam que o caso ocorreu entre quatorze e trinta e dezoito horas. Em seu estômago não havia qualquer vestígio de alimento.

O susto entre os amigos foi geral, afirmaram que Gregório esteve desde, às oito horas da manhã em apresentação de finalização de curso e, após dirigiram-se direto ao 18º. andar, com muitas testemunhas a seu favor.

Gregório, num lance de memória incrível, descreve sobre a segurança da porta e seu acionamento de abertura, no entanto, na noite entre a madrugada houve um rápido black-out, de uns dez minutos no máximo, em que o gerador demorou a entrar em ação e, ainda assustado revela:

- A porta se destrava. Percebi isto nas constantes quedas de luz.

Com esta informação os peritos retornam ao local, constatando os incidentes, vistoriando as planilhas de visitas, câmeras de vigia, etc. sem conclusão. Gregório lembra-se: “vê-se em frente ao corretor e, que este lhe telefonou para confirmar a entrega do studio, deixando a chave na portaria. Simples - pensou. Relata o fato.

O corretor, a polícia descobre ele mantinha um studio no mesmo prédio, não o habitava. Recebia frequentes visitas. Foi chamado a depor.

Dois dias antes do ocorrido, uma jovem entra no prédio com uma pequena bagagem. Dirige-se ao último andar, entrou em seu studio e não foi vista sair. Ele transitou rapidamente entre a garagem e o andar, várias vezes, em uma das quais com sacolas.

Ao ser pressionado, após a perícia vasculhar o local em que, pertences relacionados a  vestimenta exótica, drogas, manchas de sangue ocultadas no chão do banheiro e absorventes higiênicos no lixo,  foi constatada a presença de uma mulher, o corretor apenas respondeu:

- Foi suicídio. Eu não sabia o que fazer com o corpo. Cobri a câmera do meu andar, do quinto andar e do elevador. Deixei o corpo na parte de serviço e causei o black-out. Calculei o tempo entre o gerador. Como sabia que as portas se destravam no momento do black-out, usei este studio. Errei quanto a data, pensei que ele já tivesse saído no dia anterior.

- Mas quanto ao dinheiro? Quem o levou? Pergunta o delegado.

- Fui eu. Está aqui. Desculpe. Estou arrependido, diz devolvendo a quantia exata.


Gregório segue para Atenas, com uma nova aventura para seu primeiro filme a ser rodado em Bolliwood.

Deixa passar! - Fernando Braga


Deixa passar!
Fernando Braga

      Nasceu e sempre morou na Casa Verde em São Paulo e desde pequena era apaixonada por Carnaval.

      Com 15 anos passou a frequentar o barracão, com sua mãe, onde era feito o ensaio da escola de samba Império da Casa Verde, fundada em 1994.

     Adorava sambar, mas ser bem magra e alta, por mais que caprichasse parecia desengonçada, sem malemolência, embora tendo um sorriso cativante, dentes perfeitos, rostinho iluminado. Embora fosse assídua em sua presença, ter feitos amigos, não conseguia se caracterizar como uma sambista.

     O tempo passou, tornou-se adulta e agora com 22 anos, embora mais encorpada, mantinha as mesmas características físicas e a mesma dismetria para sambar. Ficava horas e horas treinando seus passos diariamente em sua casa e, treinava na escola, tentando imitar aquelas sambistas mais desenvoltas, que tudo faziam para mostrar os seus talentos. No carnaval, o que   conseguia era desfilar fantasiada, junto com o bloco todo, colocada no meio para não aparecer muito. Ela não desistia.

      Em sua casa, dizia que chegaria um dia a ser a rainha de bateria, o título mais cobiçado por todas que queriam se projetar dentro da escola, para o enorme publico presente no Anhembi e, milhões de pessoas assistindo pela TV. Seus familiares davam uma risadinha, mas não falavam nada para não desanimá-la.

      Agora em 2016, a expectativa era enorme, uma vez que tudo se mostrava maravilhoso nos preparativos, para a diretoria, para todos os componentes da Escola e para Domingas que era o nome desta criatura maluca pela festa do Momo.

      Ela conhecia todos os figurões que faziam parte da Escola, desde seu presidente eleito, o Alexandre Furtado, o mestre Marlon e a porta bandeira Jéssica, a Silvia, madrinha de bateria,    Ises Gomes a musa de bateria, mas  sua preferida era a Valeska Reis, rainha de bateria, com aquele corpo moreno, monumental, pernas torneadas, fortes e  seu samba!

      Domingas não tinha nenhuma chance, a não ser desfilar na ala das sambistas, e colocada no meio. O grande dia de fevereiro de 2016 se aproximava...

      Na véspera, após um dia de grandes preparativos, chegou muito cansada em casa e uma hora após o jantar recebeu um telefonema de quem? Dele, o Mestre Zoinho, o diretor de harmonia da bateria, que lhe dizia:

— Prepare-se, porque todos os diretores, incluindo o presidente querem que você ocupe o lugar da Valeska, que está doente por ter pego o Virus da Chikungunya. Ela não vai poder desfilar e você tem que substituí-la.

      Preparou-se, vestiu a fantasia com as asas douradas, sapato alto, também dourado e tomou sua posição na avenida, junto com os 3000 participantes. A rainha da bateria é a própria rainha da Escola. O desfile começou e...  Deixa passar!

      Domingas desfilava elegantemente, cantando a linda melodia composta, dançando, sambando na frente da bateria da escola, que estava realmente indescritível.

     Ficou muito emocionada ao desfilar com suas asas douradas na frente da  comissão julgadora, dando tudo o que podia, com muito carisma e muito gingado.  Nunca havia sambado assim. Seus pés deslizavam no asfalto em um ritmo alucinante, cadenciado, perfeito. Sentia-se como uma deusa, certamente vista em todo Brasil.

      Foi então que sua mãe abriu a porta do quarto e acordou-a, pedindo para que parasse de gritar, de cantar alto, de fazer barulho, pois os vizinhos iriam reclamar.

     Domingas sentou-se na cama, esfregou o rosto, sorriu e disse:

— Bem que o Andy Harlow dizia que na vida, todos, sem exceção, têm pelo menos 15 minutos de sucesso!

     Pronto! Tive mais de 15! Estou feliz!

    No grande dia, desfilou em sua ala com a escola, viu a grande Valeska fazendo evoluções muito sucesso e na terça, compartilhou da grande emoção em ver sua escola,  Campeã de 2016, o  terceiro título!


    Viva a Império da Casa Verde!

Roteiros divergentes - Ises a. Abrahamsohn


Roteiros divergentes
Ises a. Abrahamsohn

Nossa é ela! Há tantos anos não a via! Não mudou muito, parece um pouco mais velha, mais madura, cortou os cabelos, e já não usa mais os saltos tão altos. Lembro-me que um dia ela me disse que me amava, e eu nem liguei para isso. Luísa era apaixonada por mim e fazia planos para o futuro.  Queria se formar na faculdade e viajar para o exterior para fazer pós-graduação e ter uma brilhante carreira. Automaticamente me incluía nestes sonhos futuros  onde  ambos  seríamos  notáveis  e  bem sucedidos; filhos teríamos,  um ou talvez dois, que  viriam  após  o sucesso profissional.   

Estas não eram as minhas ambições  mas eu  me deixava levar pelo seu entusiasmo . Confesso  que  me agradava ser objeto daquela paixão  e  quando nos encontrávamos  ela me incendiava com seus beijos e carícias. Saía  esgotado daqueles encontros  e depois ficava até envergonhado por,  de novo, não ter  tido coragem de romper em definitivo com ela.

Naquela época eu  já namorava Tereza, mais jovem, muito bela,   vaidosa,  e  louca para casar.  Junto a ela  esperava ter a  calma vida  familiar   que desejava. Desejos modestos: razoável sucesso profissional e um emprego seguro  que me permitisse  conforto sem luxos. Tereza me amava, disso tinha certeza,  com um amor cálido  e  exclusivo. Estava terminando o curso normal  e já adiantara que desejava  ter três filhos aos quais se dedicaria em tempo integral .   Eu antevia  com Tereza uma existência sem sobressaltos. Longe das paixões e ambições  divisadas em uma vida a ser compartilhada com Luísa.

Afinal Luísa  se  convenceu  de que  os nossos projetos de vida eram radicalmente distintos . Nunca mais nos encontramos. Eu casei com a minha Tereza,  tivemos os três filhos  almejados mas  a    pacata vida   que  eu sonhara  não durou mais que  dez anos.  Tereza cansou da  vida doméstica,  da devoção a mim e do nosso amor sem sobressaltos. Foi sincera e cruel: queria ser rica, viajar, se vestir bem,  ir às  melhores festas ...  Enfim, ter uma vida que eu não poderia e  nem queria   patrocinar. Separamo-nos. Os filhos ficaram com ela que estava ainda  mais deslumbrante  e bela aos trinta anos.   Logo arrumou um coroa  ricaço  que  por ela se encantou. Já faz agora dez anos que estou sozinho.

De uma mesa de calçada neste bistrô próximo ao Instituto  Pasteur  olho   Luísa   pela janela . Está sentada  a  uma das mesas internas  e confere o celular.  Ela não me vê. Passado o turbilhão das lembranças,  posso observá-la com calma.  Engordou um pouco, mas veste-se com elegância. Irradia dinamismo e  o rosto é alegre e simpático como há vinte anos. Hesito, mas decido falar-lhe.  De pé em frente à mesa, ela me olha interrogativamente.  Demora quase um minuto para me recuperar entre as longínquas  memórias engavetadas   há mais de duas décadas.

— Ênio! Mas que surpresa, encontrá-lo neste lugar, após tanto tempo!   Sente-se. Vamos tomar um café.

Sento-me,  embalado por seu sorriso e  subitamente consciente da minha inadequação.  Respondo-lhe que estou em Paris como turista por alguns dias e sim, continuo  no mesmo emprego morando  sozinho  num apartamento em São Paulo. Pergunta  se eu  ainda conservo algum dos meus hobbies, música e cinema,  e eu, com alguma vergonha interior,  digo música, embora faz anos que não  vou a um concerto.  Luísa  se tornou uma cientista de renome. Está em Paris convidada para uma série de palestras no Pasteur. Viajou pelo mundo todo como queria, só ou com o marido, antropólogo. O filho faz pós-graduação em Lyon. Pouco tenho a lhe contar e Luísa ainda me sugere algumas dicas turísticas antes de se despedir,  está com pressa para  um compromisso.


Fico no café  digerindo o significado desse encontro fortuito. Uma vida com Luísa  teria  sido mais  feliz ?  Possivelmente não. Eu seria apenas arrastado  pela força do cometa.  Sim, eu a invejo.  Mas este encontro pode vir a  ser uma sacudidela do destino.  Que diabo! Ainda sou jovem bastante para voltar à música   e  estudar cinema.  Ah! E também vou  voltar à academia e perder essa  barriga de cerveja  que  me envergonha .

Estrela Cadente - José Vicente J. Camargo


Estrela Cadente
José Vicente J. Camargo

Era sua última chance de permanecer no Grupo 4, o último das escolas de samba oficiais da capital, representando um bairro pobre e distante da periferia. Os moradores do bairro diziam que o erro já começara pela escolha do nome de “Estrela Cadente” que trouxera má sorte ou “olho gordo”, segundo pai João do terreiro de candomblé.

Há dez anos, quando foi fundada, ficou entre as cinco melhores do Grupo 2, com várias alas entoando o samba enredo: “Abre alas que a Estrela Cadente chegou pra ficar”. Carros alegóricos, fantasias de luxo, mulatas nota dez e sobretudo a bateria no ritmo cadenciado e vibrante de não deixar ninguém com “doença no pé”, empolgou as arquibancadas aos gritos de “já ganhou! Já ganhou!”. Alguns veículos da mídia até chegaram a divulgaram como futura integrante do Grupo Especial, consagrando na avenida as cores vermelho e branco do seu estandarte.

Porém, o que menos se esperava, veio chegando sem pedir licença, diminuindo de carnaval em carnaval o brilho promissor da “Estrela Cadente”. A crise econômica que se abateu na região foi sugando a força, o ânimo e a alegria dos seus integrantes. A juventude do bairro, componente vital do seu sucesso, foi mudando-se para outros bairros e cidades a procura do indispensável ganha pão. A ajuda financeira da prefeitura, assim como o patrocínio do comércio local, através das assinaturas no “livro de ouro”, foram-se igualmente minguando-se.

Para o carnaval deste ano, o subsidio mal dá para cobrir os custos das “quentinhas”, distribuídas nos ensaios na quadra da escola, e para o transporte dos integrantes até a concentração no dia do desfile. Se for desclassificada esse ano, será cortada da lista oficial das escolas de samba – sobrando a alternativa de virar bloco de rua no próximo carnaval – algo que os adeptos de momo só de ouvir se benzem, invocando a proteção dos oxuns e orixás do terreiro de pai João.

Mas a vontade dos integrantes da “Estrela Cadente” de permanecer brilhando no firmamento, foi maior que o desânimo. Com os pargos recursos disponíveis e sem o patrocínio de comerciante interessado, de político espertalhão ou de barão do jogo de bicho, o jeito foi reciclar, “tirar o pó” de fantasias e adereços de carnavais passados. Através dos bons contatos com as escolas de outros Grupos, recebeu doado, em nome do reino carnavalesco, instrumentos musicais recondicionados até carros alegóricos recauchutados com esmero.

 O samba enredo escolhido, não podia ser mais apropriado: “Levanta, sacode a poeira que a Estrela Cadente vai subir”, contagiou e comoveu os moradores do bairro. No dia do ensaio final, a quadra da escola foi pequena para abrigar os foliões. Todos queriam prestigiar, nem que fosse no xingado tímido acompanhando o ritmo marcante da bateria, coração da escola, prontinha para pulsar outra vez. Entre os foliões estava Didi −cabelereira e manicure de “porta em porta” − como rainha da bateria. Nada de peito nem de bunda, muito pelo contrário, magrela e alta, mas possuidora de um segredo único: além do sangue de confete e serpentina que lhe corre nas veias, possui invisíveis molinhas nos pés que a fazem pular, saltitar, tremular de atrair os olhares da galera embevecida, desviando-os dos dons que não possui. Ao lado, o mestre de bateria, engolido pela energia que dela irradia, manda vibrar nos agudos as cuícas, pandeiros, chocalhos e tamborins.

Acompanhando o frenesi, segue o casal porta−bandeira e mestre-sala, cujo segredo não está nas molinhas, mas nas rodinhas nos pés, que o faz rodar e girar tanto que já não sabe mais, por si só, a direção a seguir. O pavilhão vermelho e branco que carrega é beijado com reverência pela assistência em delírio.

E assim, a escola desfila no som do batuque e na folia geral, aplaudida pela vizinhança de perto e de longe, que procura esquecer os problemas que a crise causou, despertando em todos um senso de união com ela. A “Estrela Cadente” já se pode sentir campeã. Pouco importa o resultado oficial:


“Já caiu uma vez, só resta subir novamente...”